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Foto do escritorThiago Araujo Pinho

ANIME É COISA DE CRIANÇA?





Se você gosta de anime, ou de animações em geral, em algum momento já ouviu a seguinte frase: “um menino desse tamanho assistindo desenho?!!”. Faz parte do imaginário popular que desenhos animados são coisas de criança, um simples passatempo dos pequenos com suas mentes subdesenvolvidas. Mas, se você for um adulto amadurecido, lindo e cheiroso, seu universo imagético passa por outros lugares, como novelas, séries ou documentários. Mas por que? Onde surgiu esse estigma com animes e animações em geral? Quando todo esse cenário surgiu no horizonte? É algo recente, antigo ou uma mistura dos dois? Eu convido você leitor a mergulhar nessas páginas, vamos seguir seu fluxo, observando até onde elas nos levam


Não sei se já percebeu, mas o mundo sempre foi povoado de imagens, desde as cavernas de Lascaux até os museus disputados do Louvre, mas quando essas imagens são colocadas em sequência, criando a impressão de movimento, temos agora uma forma diferente e muito contemporânea de arte: as animações. Ao seguir uma certa velocidade, nosso cérebro não consegue processar cada frame de uma animação separadamente, o que faz tudo fluir de um jeito homogêneo, como se as linhas do desenho estivessem vivas. Em outras palavras, a “deficiência” do nosso aparato cognitivo cria o que nós chamamos de “desenho animado”, assim como a própria arte do cinema, em geral. Em um simples segundo de uma obra de animação podemos ter 20 a 24 frames, o que significa 20 a 24 imagens sequenciadas com o objetivo de gerar um breve movimento. Talvez seja um simples aceno de mão ou uma simples caminhada...



Exemplo de como uma animação (2D) funciona. Tente olhar a imagem da esquerda para direita de forma rápida


Em um anime, por exemplo, da mesma forma que em qualquer tipo de animação, cada frame é produzido separadamente, depois colocados em sequência, como no exemplo logo acima. Sem dúvida, hoje, com a ajuda de computadores, esse processo foi facilitado, criando até formas alternativas de animações, muito mais contemporâneas, como aquelas em 3D. Mas, não importa o tipo de animação em jogo (2D, 3D, Stop Motion, Cut-out), todas são associadas ao público infantil, ao menos no “Ocidente”. Qual é a origem de tudo isso?


Hayao Miyasaki, co-fundador do Studio Ghibli, e uma referência absoluta no universo dos animes desde 1997 com seu “Princesa Mononoke”, deixou claro várias vezes o seu desprezo pela “animação ocidental”. Segundo ele, tudo ali é reduzido a algo infantil, principalmente graças ao seu grande adversário: Disney. Essa empresa popularizou a ideia da animação como um produto direcionado às crianças ou, no máximo, às famílias. Dois motivos contribuíram nesse cenário: 1) desenhos eram produzidos com a intenção de vender brinquedos e outros tipos de produtos infantis e 2) as histórias eram construídas quase sempre de um jeito simplificado, com um foco apenas em um entretenimento básico, evitando assim temas sensíveis, como sexualidade, morte, crises psicológicas ou, até mesmo, instantes mais reflexivos e silenciosos. Sem dúvida, existem exceções, como o “Rei Leão” e outras histórias da Disney, mas, em geral, o legado dessa empresa foi negativo no campo dos desenhos animados, ao menos segundo Miyasaki


Mickey, Donald e Pateta: personagens clássicos da Disney


Com verdadeiras obras de arte, como “A viagem de Chihiro”, “O Castelo Animado”, “Ponyo”, além de muitos outros, Miyasaki sempre comunicou mensagens complexas, tudo isso acompanhado de um compromisso técnico brilhante. Ou seja, cada um dos seus “frames” poderia facilmente fazer parte de uma exposição de arte em um museu qualquer. Basta pausar o filme em qualquer ponto da história e algo incrível brota tela, transbordando de energia e beleza. É impressionante o nível de detalhamento que Miyasaki deposita em cada contorno de seus frames, lembrando que um único filme pode conter milhares deles.



Um “frame” do filme “O Castelo Animado” de Miyazaki


Eu fiz parte de um grupo de cinema por cinco anos e posso garantir que nenhum dos trabalhos de Miyasaki fica atrás de grandes cineastas como Kurosawa (sete samurais), Fellini (8 e meio), Rossellini (Roma Cidade aberta), Lars Von Trier (Dogville). Pelo contrário, eu acredito que a animação consegue carregar de forma muito mais eficaz as emoções complexas dos humanos, assim como uma série de detalhes psicológicos impossíveis de serem acolhidos pelo cinema tradicional. Em uma animação sentimentos são amplificados, além da própria gravidade de certas circunstâncias. Observem essas duas cenas no filme e na animação Scott Pilgrim:



No cinema tradicional, tudo se limita ao corpo de atores e atrizes reais, dentro de movimentos e reações muito restritas, mas na animação o céu é o limite. É possível potencializar tudo, desde um simples sorriso, até crises psicológicas profundas. Uma simples cena de um personagem escrevendo em uma folha de papel ganha um tom super dramático, muito difícil de ser replicado no cinema tradicional, como é possível perceber nesses frames do anime “Death Note”, feito pela Madhouse.


Cena de Death Note: Light descobre o poder do seu diário mortal


Mas a culpa da infantilização das animações não recai apenas sobre os ombros da Disney. Graças a empresas como Hanna Barbera (Flintstone, Scooby Doo, etc) e Warner Bros. (Looney Tunes) associamos desenhos animados a brinquedos que distraem crianças, simples passatempos. Esse cenário é muito diferente no Japão com seus animes, já que “anime” não é uma categoria específica, mas um campo imenso de gêneros cinematográficos (romance, ação, mistério, infantil, terror, pornografia). Resumindo, enquanto no ocidente “desenho” é um ramo do cinema, no Japão “desenho” é um outro campo cinematográfico, com regras próprias.


Principais personagens da Hanna-Barbera


O vínculo entre animações e público infantil é tão forte no “ocidente” que ainda hoje no Oscar a categoria ANIMAÇÃO é associada a crianças, além, claro, de ser vista como um subgênero dentro do campo cinematográfico, ao invés de um universo próprio. Nesse ano, três figuras representando princesas da Disney foram convidadas a apresentar o prêmio de melhor animação. Em seu discurso “bem humorado”, elas destacaram o quanto os pais sofriam com suas crianças por terem que assistir várias vezes os mesmos desenhos. A fala não foi bem recebida pelo público especializado, principalmente pelo ganhador do prêmio naquela noite, Guillermo Del Toro, com seu Pinóquio em stop motion, uma técnica muito trabalhosa de animação. Depois de receber o Oscar, Del Toro disse ao público: "a animação não é um gênero para crianças, é uma mídia”. Em outro momento ele diz: “Animação é cinema. Animação não é um gênero. A animação está pronta para ser levada para a próxima etapa. Mantenha a animação na conversa”


Guillermo Del Toro recebendo o prêmio de melhor animação por seu filme “Pinóquio”


Da mesma forma, o anime não é um gênero, mas um universo inteiro de gêneros dentro de sua superfície complexa. Obras como “Attack on Titan”, “Death Note”, “One Piece”, “Kaiji: The Ultimate Survivor”, “Death Parade”, “Gundam”, “Beastars” e “Parasite: The maximum” são completamente diferentes entre si, fazendo parte de múltiplos tipos de gêneros. Colocar todos em uma mesma categoria é um completo desserviço ao campo das animações.

Como um exercício mental rápido, vamos pegar os dois tipos de Pinóquio mais famosos disponíveis hoje: A versão de Del Toro e a da Disney. Ambas são animações, ambas falam sobre personagens fantasiosos, ambas têm traços de entretenimento, mas a primeira carrega uma mensagem completamente adulta sobre temas muito sensíveis, envolvendo uma complexidade inimaginável no território da Disney. Colocar esses dois filmes na mesma categoria é quase como comparar um gato doméstico com um leão, chamando os dois de “felinos”. Embora ambos façam parte de um mesmo critério (animações), algo parece meio estranho quando os colocamos lado a lado.



O Pinóquio de Del Toro e o Pinóquio da Disney


“Attack on Titan”, por exemplo, é um anime contemporâneo sobre um mundo pós-apocalíptico onde Titãs dominam o planeta. Não existe nada de infantil nessa série, nem mesmo no design dos personagens. Seus temas são muito complexos, potencializado pelo poder que as animações tem de amplificar sentimentos humanos. Filmes mais tradicionais não conseguem seguir o mesmo ritmo, ainda que tentem. Por incrível que pareça, por mais talentosa que seja uma atriz, seu corpo é limitado a certos movimentos, mas com as animações é diferente.


Attack on Titan, produzido por Hajime Isayama


Mas até mesmo animes direcionados a um público mais jovem (shōnen, como os japoneses dizem) carregam uma profundidade difícil de ser encontrada no “ocidente”, a não ser quando os animadores arriscam produzir algo novo (Avatar: A lenda de Aang, Steven Universe). One Piece é uma história sobre piratas que navegam os mares em busca de aventuras. Com suas várias cenas de comédia, One Piece parece bobo, mas quando olhamos com calma, nos momentos sérios da história, é uma mangá que lida com temas polêmicos, como estupro, escravidão, transexualidade, racismo e muitos outros. Ao contrário de obras como Bob Esponja, One Piece sabe quando deve silenciar, quando precisa de seriedade em certas cenas. Esse equilíbrio é algo interessante em obras como One Piece, mas também em Naruto, Bleach, YuYu Hakusho e outros. Isso é algo difícil de ser encontrado no ocidente e sua obsessão por momentos de comédia extremo, mesmo em cenas que pedem por uma outra atitude.


One Piece, mangá produzido por Eiichiro Oda


É preciso levar mais a sério o campo das animações, caso contrário vamos perder de vista esse espaço impressionante de possibilidades, esse universo imenso que potencializa cada emoção humana. Afinal, é por isso que assistimos séries, filmes e documentários: porque elas nos impactam, nos conectam. E os animes, assim como qualquer outra forma de desenho, consegue fazer isso de um jeito incrível, impossível de ser comparado a qualquer outra mídia. Em outras palavras: “Mantenha a animação na conversa”.

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8 Comments

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Eu queria corigir algo as animaçoes ocidentais ficaram mais adultas nos anos 90

Depois de simpsons o que no começo dos anos 90 tiveram coisas como beavis and butt head,duckman,the critic etc consolidado o genero de comedia adulta seguindo por coisas como sourh park,archer,bojack é as animaçoes do adult swim

Em termos de sem ser sitcoin animadas de comedia os desenhos de açao ficaram mais serios nos anos 90 com coisas como gargulas,batman the animated series é exosquard

O que depois vieram shows como o dcau,avatar series,justiça jovem,samurai jack,beast wars,vingadores 2010 é tartarugas ninjas 2003,the batman,star war series animadas que seriam animaçoes para todas as idades que pega as crianças por ter herois é explosoes mas que consegue ter alg…

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Concordo com você, as animações ficaram mais maduras, mas ainda assim não foi o bastante na mentalidade ocidental. Observe o Oscar, ainda tratando o campo da animação como um gênero infantil. Isso nunca aconteceu no Japão, por exemplo. Existem, claro, animes infantis, voltados ao público jovem, mas a categoria em si não é infantil

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carlosobsbahia
carlosobsbahia
Dec 11, 2023

Nunca fui fã de desenhos japoneses ou orientais,mais por pouco contato que predileção por gosto. De qualquer modo, vc falou muito mais da estética dos filmes que propriamente o conteúdo.

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Thiago Pinho
Thiago Pinho
Dec 11, 2023
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Sim. Quis destacar mais a forma mesmo dos animes, muito mais do que o conteúdo. A forma como ele comunica é bem mais eficaz, mesmo quando lida com os mesmos conteúdos de filmes e séries


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Robert Pascoal
Robert Pascoal
Dec 09, 2023

Um texto incrível que lança um olhar apurado sobre o impacto que as animações podem ter em todas as faixas etárias. Algo que parece bobo e simples ao primeiro impacto, se desdobra em algo imprecionante, com uma complexiade incrivel que apenas quem para e aprecia entende. Essas obras, possuem uma capacidade reflexiva absurda e consegue emocionar e impactar de maneira surreal seus apreciadores. Ótimo texto!!!

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Thiago Pinho
Thiago Pinho
Dec 10, 2023
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Obrigado, Robert

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esther.paixao.777
Dec 08, 2023
Rated 5 out of 5 stars.

Verdade, professor! Eu particularmente amo animação de vários generos, e consigo extrair aprendizados como nos filmes normais. Parabéns pelo texto eles está riquíssimo!

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Thiago Pinho
Thiago Pinho
Dec 08, 2023
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obrigado Esther 😁

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