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Foto do escritorKelly Lidia

ANARQUIA RELACIONAL É POSSÍVEL?




Esses dias eu estava refletindo sobre as reais possibilidades de vivências associadas a anarquia relacional.


Nas mesas de bares e em outros diálogos sociais, tem rolado por aqui um papo meio assim: ideias neoconservadoras ou progressistas, do que realmente precisamos? 


A efervescência na polarização desses discursos, obviamente advindos das atuais movimentações políticas e econômicas que ganharam força com o bolsonarismo, tem gerado debates quentes e tentativas de análise sobre o que a sociedade tem elaborado e entregue em locução ideológica. 


Pelo que vejo, na maioria das vezes o que se desenvolve é o cenário onde basicamente de um lado há o pensamento de que precisamos de valores e crenças que respeitem a família e o cidadão de bem, mas que também precisam integrar as diversidades existentes por aí, e do outro,  o pensamento de que, de fato, não cabem mais as prerrogativas hegemônicas, porém, não se sabe como se desvencilhar delas. 


Vamos tentar construir uma linha de raciocínio a partir dessas ideias embrionárias. 


Sabemos que, no neoliberalismo, a economia e o mercado são privilegiados em detrimento do Estado de bem estar social. Esse fenômeno inclusive pretende produzir um novo sujeito e novas formas de pensar, todas a partir das dimensões de competitividade e individualidade, numa perspectiva empresarial e concorrencialista. 


Nesse cenário, absolutamente tudo é alcançado pelo neoliberalismo. Desde a macropolítica econômica mundial até o seu gato que tem a possibilidade de escolher qual ração vai comer. 


As relações sociais ficam à mercê das normativas do mercado e a atmosfera que se constroi é a de que cada um é responsável pelo seu sucesso social e que por isso precisam constantemente estarem em busca do melhor. 


Todo mundo quer esse melhor, em todos os aspectos da vida. O melhor celular, o melhor emprego, a melhor casa, o melhor carro, as melhores amizades, os melhores sexos, mas também, o melhor dos amores. E as melhores coisas, precisam ser apenas para mim, já que, se outra pessoa também as tem, deixa de ser o melhor e passa a ser comum. 


Foquemos na parte dos melhores amores. 


A crise do amor neoliberal e da monogamia tem colocado em xeque essa construção de afeto baseada na individualidade, na lógica do consumismo, da hierarquia, das inseguranças, da falta de originalidade e organicidade, traduzida em relacionamentos controladores, ditadores, competitivos, obsessivos e superficiais. Concorda? 


Bom, se o seu relacionamento monogâmico não for exatamente assim, não se surpreenda, mas isso quer dizer que ele tem muito dos princípios da anarquia relacional. Isso porque, o neoliberalismo, assim como qualquer outra coisa, é um evento construído socialmente e enfiado goela abaixo pelo buraco contrário a nossa glote.  


Já a empatia, a compaixão, o altruísmo, a solidariedade e a intuição emocional, são consideradas capacidades naturais dos seres humanos. Achou esse discurso meio romântico? Vamos reclamar com as várias áreas das ciências que estudam e desenvolvem teorias sobre essas questões, como a psicologia, a neurociência, a sociologia, a antropologia e a educação. 


Por esse motivo, mesmo dentro de um sistema concorrencialista, construído para deixar os ricos mais ricos e os pobres mais pobres, usando como ferramenta principal o coliseu, onde nós, semelhantes, nos degladiamos violentamente para o entretenimento e bel prazer do outro (que produz nossas realidades miseráveis) ainda assim, temos a capacidade de sermos empáticos.   


Isso se traduz nas nossas relações afetivas. E lembrem-se que tudo se traduz nas nossas relações afetivas - coisas boas e coisas degradantes. Afinal, nossa vida é o reflexo dessas movimentações. Nossas práticas, escolhas (verdadeiras e falsas) e desejos (orgânicos ou transgênicos). 


Isso porque, lá no fundo a gente tenta lutar contra essa lógica brutal que estamos submetidos no neoliberalismo. E uma das alternativas encontradas quando o afeto está no centro do debate, é a rejeição de determinadas normas tradicionais, como a ideia de um relacionamento perfeito e ideal, representado pela metade da laranja e fundamentado pela monogamia. E o que poderia causar mais motivo de revolução do que o afeto? 


A anarquia relacional é uma alternativa à lógica monogamia, pautada na liberdade e autonomia de cada pessoa. O plus é que tudo isso vem sem a necessidade de regras ou estruturas impostas. Dessa forma, cada um tem autonomia para escolher seus relacionamentos, sem a existência de hierarquia, e tendo como base a comunicação, o consentimento e a transparência. 


Por pertencer à lógica não monogâmica, sem a necessidade de exclusividade afetiva/sexual, tem como um dos principais benefícios a possibilidade de ampliação da perspectiva de mundo, uma vez que, desenvolver várias relações pode oferecer diversas experiências e aprendizado sobre si mesmo e sobre os outros (nada que já não esteja sendo feito por você, se pensarmos na lógica da rede de amigos). 


Mas, na minha perspectiva, a maior ideia que a anarquia relacional entrega é a possibilidade da construção de comunidades afetivas com vínculos diversificados. A visão colaborativa e comunitária, a construção de uma rede de apoio e a possibilidade de enfrentamento de demandas sociais como ciúmes e inseguranças, são potencialidades riquíssimas que acompanham a anarquia relacional. 


Mas afinal, a anarquia relacional é possível dentro da dinâmica neoliberal?  


Tem gente que diz que sim, tem gente que diz que não. Eu penso: é a nossa visão de mundo que determina nossas ideologias ou nossas ideologias que determinam nossa visão de mundo? Bom, acho que pode depender da construção-desconstrução de nós neste mundo, contraditoriamente miserável, mas também bonito. 


Na perspectiva de quem vos escreve, é possível sim. Principalmente, por ser uma alternativa de resistência à lógica mecânica e empresarial que tem sido imposta a nós enquanto sujeitos (e ainda pelo viés da afetividade). 


Talvez algumas pessoas pensem que antes dela funcionar definitivamente, a sociedade deveria ser transformada, abandonando a perspectiva neoliberal, mas, acho que aquele que acredita que pode funcionar é quem se coloca como agente dessa transformação. 


E você que me lê, o que pensa sobre isso?



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