* Taís Maria
O ano de 2023 carrega consigo mudanças que poderiam parecer pequenas aos olhares desatentos. Pela primeira vez em 58 anos de história da televisão, a maior rede brasileira ‘’Tv Globo’’, escalou para todas as suas novelas protagonistas negros. Antes de entrarmos no tema, é válido lembrar que ainda existem preconceitos quando o assunto é ser telespectador de novela ou reality show. Um dos motivos apontados pelos críticos, é que, ao longo dos anos, as novelas têm sido instrumento de alienação. A questão é que as novelas tentam representar a sociedade e as demandas sociais da época em que são produzidas. Nesse sentido, existe um movimento dúbio, porque as novelas podem abordar avanços sociais ou continuar alimentando retrocessos.
Se eu disser para você, caro leitor(a), fazer um exercício de imaginar uma protagonista de novela, existe uma grande probabilidade de vir à sua mente uma mulher branca, magra e ‘’ padrão’’, tal como Aline Moraes, Marina Ruy Barbosa, Mariana Ximenes, Débora Secco, Paolla Oliveira, Cláudia Raia, entre outras. A lista é grande e poderia ser maior. Ao longo dos anos essa foi a cara que estampou as novelas brasileiras. Em contrapartida, para os atores negros as oportunidades eram quase inexistentes.
Em várias entrevistas concedidas pelo ator baiano, Lázaro Ramos, a temática do racismo é comumente abordada. Em uma dessas entrevistas, Lázaro relatou que dentre vários papéis que lhe eram oferecidos, a maioria eram papéis que a sociedade considerava que apenas pessoas negras poderiam exercer. Tais como: empregadas domésticas, motoristas, criminosos, escravizados entre outros. Funções essas, essenciais à sociedade, com exceção óbvia da escravidão. Por mais importantes que sejam essas atividades, a direção da novela e o roteiro sempre colocavam os negros como servidores eternos dos núcleos dos brancos. Nas novelas de Manoel Carlos, escritor famoso da Globo, as trabalhadoras domésticas eram representadas de forma estereotipada e rasa.
Como bem disse a cineasta brasileira Karoline Maia: ‘’O quartinho de empregada é a senzala moderna’’. Essa frase expressa bem as relações de poder envolvidas ao representar os negros nas novelas sempre na posição de subserviência.
Nesse contexto, a Rede Globo produziu mais de 300 novelas desde 1958 até o momento. Entre essas, apenas 17 atores negros conseguiram papéis de protagonistas; nos últimos 10 anos foram 13, sendo que 8 deles somente em 2023. Mediante a isso surge um questionamento: finalmente chegou o momento de os atores negros ocuparem posições de destaque? Como bem sabemos, nada é por acaso: tudo é fruto de lutas, protestos e reinvindicações. Cada conquista pode parecer pequena e realmente há muito o que avançar, porém, não podemos menosprezar que algo está mudando, por exemplo, ‘’a representatividade’’. Contudo, ainda vivemos em um país racista em que o mito da democracia racial permanece entranhado na sociedade. Durante a produção da novela ‘’Nos Tempos do Imperador’’, os atores negros que compunham o elenco relataram terem sido vítimas de racismo – com camarins priores, salários menores e tratamento diferenciado.
Nesse contexto, fica visível que colocar pessoas negras em posições de destaque em novelas, reality shows e jornais não transformará toda a sociedade em antirracista, porém, assim como colocar pessoas brancas nos causou durante muito tempo a sensação de que o lugar do negro é como eterno servidor, ter pessoas negras como mocinhas, mocinhos, vilãs, vilões com personalidades incríveis e ocupando posições de poder causa impacto no imaginário brasileiro.
É tão renovador ver uma criança negra olhar para a tela de uma televisão e dizer que a sua princesa preferida se parece com ela. Boa parte dos jovens que viveram a infância nos anos 2000 tiveram essa oportunidade. A luta precisa continuar e o reconhecimento das pequenas vitórias também. O Brasil, nos últimos anos, passou por vários retrocessos com a ascensão da extrema direita, por isso, considero importante valorizarmos os pequenos avanços e, de forma estratégica, reivindicar mudanças que caminham para a construção de uma sociedade menos desigual, mais humana e menos injusta.
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* Taís Maria. Graduanda em ciências sociais - UFBA. Instagram: @ta.ism
Fontes:
Ótimo texto. Lembro da novela "Cobras e Lagartos",onde os principais protagonistas eram Lázaro Ramos e Taís Araújo. Isso uns 15 anos atrás. Levou um hiato grande para a consolidação ao que vc se refere no texto.
Achei incrível, acho que poucas pessoa chegam a Falar sobre esse assunto hj em dia.
palmas, de parabéns.
Excelente reflexão!
👏👏