As teorias conspiratórias são um elemento de disrupção nas democracias liberais consolidadas ao redor do mundo. Com o avanço e a democratização da internet, especialmente pela expansão global das redes sociais como ferramenta de comunicação e divulgação de opinião e informação, esse processo de disseminação de teorias conspiratórias se intensificou significativamente. Hoje, por meio de qualquer rede social e em qualquer dispositivo, você pode ter acesso a qualquer teoria da conspiração: elas circulam por grupos de WhatsApp, Facebook, páginas do Instagram, podcasts no YouTube, dentre outros circuitos de propagação dentro e fora desse mainstream.
Mas do que se trata uma teoria da conspiração? As teorias conspiratórias “são crenças que indivíduos ou grupos estão agindo secretamente para alcançar alguma finalidade nefasta e obscura”[1]. Trata-se, portanto, de um fato ou um discurso fantasioso que, apesar do uso de fatos e elementos concretos da realidade, não diz respeito a qualquer fenômeno real ou existente. Você encontrará teorias conspiratórias nas áreas da política, das ciências, da cultura de massa, etc. Hoje, vamos tratar da relação desse tipo de realidade paralela e sua relação com a política, especialmente no caso da crise atual da democracia, sendo as teorias da conspiração um dos sintomas dessa crise pela sua associação com grupos vinculados à extrema direita e à direita alternativa (alt right).
Para além de uma relação conflituosa com a democracia, considerando aqui que as teorias conspiratórias minam a confiança do cidadão em relação ao establishment político, essas teorias acabam sendo apropriadas por líderes e atores políticos oportunistas como ferramenta de ganho de competitividade eleitoral em momentos de desconfiança crescente em relação à atividade política. Isso ganhou evidência, por exemplo, durante as eleições americanas de 2016 com a campanha presidencial do republicano Donald Trump, que usou, largamente, as teorias da conspiração na sua comunicação política. Vale lembrar que tais teorias não surgiram agora: elas já vêm sendo propagadas há anos, e ganharam projeção nas últimas décadas, precisamente, com a democratização e a expansão do acesso à internet e às redes sociais. Sem falar que em outros momentos da história, as fake news e as teorias da conspiração já haviam sido utilizadas (lembremo-nos de Adolf Hitler no episódio do Dolchtoss, ou do senador americano Joseph McCarthy, nos anos 1950, acusando uma ‘infiltração comunista nos EUA’).
Como mencionado, as teorias da conspiração não são mais elemento de monopólio de ditadores e autocratas, mas também de políticos tradicionais que fazem uso instrumental e marquetológico dessas teorias, além dos próprios populistas outsiders. Nas mãos dos políticos, especialmente daqueles que estão em posição de poder, as teorias conspiratórias servem também como distração para redirecionar o foco da oposição, seja ela dentro do próprio espaço do poder ou fora, na sociedade civil. Elas são utilizadas para atribuir, a um indivíduo, grupo ou causa, a responsabilidade por determinados problemas que acontecem no país. No período da pandemia de COVID-19, entre 2020-2021, o governo brasileiro comandado por Jair Bolsonaro (PL-RJ), fez amplo uso de teorias da conspiração com o objetivo de blindar o seu governo das consequências de sua omissão e da cobrança da oposição por conta dessa postura. O ministro das Relações Exteriores, à época, Ernesto Araújo, vivia dando declarações hostis e paranóicas sobre a questão do vírus, atribuindo-o à cultura chinesa. Uma clara demonstração de xenofobia.
Portanto, a relação entre democracia e teorias conspiratórias é conflituosa, ao passo de que o próprio regime democrático dá espaços para que esse tipo de discurso paranoide seja disseminado. Sem contar que, os atores políticos tradicionais e outsiders a usam para se ‘destacar do resto do establishment, e angariar capital político eleitoral. O perigo desse processo do uso político das conspirações é precisamente este: que aqueles vencedores da competição política-eleitoral, passem a atuar sistematicamente para destruir a democracia por dentro da sua institucionalidade. Passem a ‘jogar água no moinho do autoritarismo’, e a enfatizar que a democracia não mais lhes interessa. E no caso dos cidadãos, há o perigo de legitimar como verdade esses discursos conspiratórios que afetarão diretamente a sua vida e a sua relação consigo e com o outro. Há que se proteger a democracia das fake news e controlar mais, do ponto de vista político e jurídico, a atividade política dos atores e dos grupos que disputam o poder político.
-------------------------------------------
Link da imagem: https://www.unesco.org/es/articles/combatir-las-teorias-conspirativas-mediante-la-educacion-orientaciones-de-la-unesco-para-los
Notas
[1] RADNITZ, Scott. ‘Por que a democracia alimenta teorias da conspiração?'. Journal of Democracy (Português), v. 11, nº 2, novembro de 2022.
Comments