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A PSIQUE DO FASCISMO: como podemos vencer a heterociscompulsoriedade?




Em 7 de janeiro de 2024, a Meta anunciou que não terá mais um sistema de checagem de fatos. Algo parecido com o X irá acontecer: os próprios usuários comentarão as postagens, cabendo aos moderadores tratar apenas casos considerados muito graves. Em paralelo, o CEO e fundador da Meta participou de um podcast, no qual afirmou faltar o que denomina “energia masculina” nas corporações.


O alinhamento da Meta às práticas do presidente eleito dos Estados Unidos da América (EUA), representa a liberação de ataques virtuais contra grupos sociais historicamente perseguidos, a exemplo de pessoas trans e travestis. Estamos falando de aplicativos – Facebook, Instagram e WhatsApp – presentes em 99% dos celulares dos brasileiros, disseminando fake news e uma avalanche de conteúdos que viola os direitos fundamentais.


Estamos assistindo o ultra fundamentalista Projeto 2025 iniciar as suas atividades, em uma clara ofensiva contra a população LGBTQIAPN+. Conforme o presidente eleito deixou claro em seu discurso na conferência AmericaFest, pessoas trans não poderão frequentar o Ensino Fundamental e Médio, tampouco entrar para o exército. Ante esses primeiros ataques ao pensamento democrático, pergunto como pessoas LGBTQIAPN+, negros e imigrantes ajudaram a eleger alguém com pautas que representam um perigo às suas próprias vidas. Por que recorreram ao autoritarismo, uma ameaça real contra si?


O crash de 2008, como resultado da crise imobiliária estadunidense, estilhaçou, um a um, os pactos econômicos da globalização, construídos após a queda da União Soviética. Com a falência de bancos estadunidenses, como o Lehman Brothers, estamos assistindo à deterioração ideológica do neoliberalismo. O resultado foi uma crise de hegemonia, com precedentes apenas na Grande Depressão de 1929, e, por sua vez uma crise de representação: as forças políticas tradicionais, incapazes de responder a crise do capital, assistem outras forças políticas ganhar espaço, através de fake news. As instituições científicas não foram poupadas: uma autêntica onda psicótica ataca o pensamento científico e no ápice da pandemia da Covid-19, assistimos o então presidente brasileiro negar a eficácia das vacinas, e, acima de tudo, negar o acesso da população à vida. Atualmente, o presidente eleito dos EUA afirmou que seu secretário de saúde conduzirá uma pesquisa sobre uma hipotética relação entre vacinas e autismo, suposição amplamente refutada pela comunidade científica.


Esses cenários apontam para a repressão do desejo sexual – desejo esse no interior de uma concepção psicanalítica, isto é, envolvendo as relações genitais, embora longe de ser reduzido a elas – em prol do investimento libidinal no idealismo autoritário. Através de conteúdos digitais que estimulam o pensamento não-complexo, resultando em brain rot – cérebro podre – expressão do ano de 2024, segundo o Dicionário Oxford, a violência contra corpos insubmissos à mentalidade binária desconhece o amor enquanto potência de vida, conforme ensinou bell hooks em Tudo Sobre o Amor: Novas Perspectivas. Nessa perspectiva, o Brasil segue a liderança mundial em assassinatos contra a população trans e travesti.


Alimentados e aquecidos pela burrice, bandos de cretinos digitais – uma referência a obra de neurocientista francês Michel Desmurget, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França – eliminam vidas que sequer são consideradas vidas. A mentalidade fascista encontrou a tempestade perfeita para aprofundar a heterocisnormatividade, tornando-a um hábil instrumento de execução de atrocidades em seu nome. Ou seria em nome de Deus, de Cristo e outras potências espirituais, invocadas em centros religiosos cristofascistas para aniquilar todos os corpos em contraposição ao heterocissexualismo: a imposição truculenta da heterocissexualidade em detrimento de qualquer outra orientação sexual ou identidade de gênero. A peça central dessa engrenagem de imposições que visa destruir qualquer possibilidade de sequer pensar gêneros e sexualidades em suas diferenças e diversidades, denomino heterociscompulsoriedade.


Um rolo compressor ou talvez uma máquina compulsiva em moer a carne de quem borra os imperativos culturais responsáveis por conquistar a façanha de produzir gerações com o QI inferior ao dos próprios pais, a heterociscompulsoriedade é a expressão mais violenta de uma sociedade decadente. Ela gourmetizou a heterocissexualidade, tornando-a heterocissexualismo, em uma relação de forças que suprime a sexualidade desde a infância, preparando verdadeiras hordas de analfabetos sexuais, paralisados, apreensivos e obedientes a moral sexual dita civilizada, uma falácia desmascarada por Freud, em 1908. Na verdade, os idealizadores desse projeto, descendentes genéticos ou ideológicos dos mesmos que construíram as bases do heterocispatriarcado no Ocidente, sabem que paralisar as sexualidades, imobiliza a criticidade, produzindo indivíduos ajustados e submetidos aos autoritarismos, a despeito da miséria que aqueles produzem. Aterrorizar, coibir, agredir e disseminar uma cultura de estupradores são alguns meios pelos quais a heterociscompulsoriedade esmaga as diferenças sexuais e de gênero. Alguma dúvida sobre como as vítimas elegem seus próprios algozes?


Expressão do colapso colonialista do Ocidente, a heterociscompulsoriedade, aliada do (des)pensamento ultra fundamentalista empurra as classes majoritárias às fobias. Nesse ínterim, construir uma ultra democracia, capaz de unificar os divergentes para neutralizar as conquistas políticas – e psíquicas – do fascismo heterociscompulsório, torna-se imperativa. Ao eleger majoritariamente governantes progressistas, a América Latina tem demonstrado a viabilidade desse projeto, que congrega setores da sociedade civil em uma aliança contra a fome, pela paz, e, entre outras pautas, pelo respeito as diferenças sexuais e de gêneros. Educar para o amor – algo inexistente na atualidade, conforme bell hooks afirma em sua obra – e para a experiência positiva da sexualidade, representa fornecer elementos revolucionários contra a heterociscompulsoriedade. E é nossa responsabilidade fazer isso.


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2 Kommentare

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Áurea Añjaneya
15. Jan.
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Ótimo texto!!!

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Texto esclarecedor e potente.

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