Era uma vez, em um reino muito, muito distante daqui, uma menina tímida, que sonhava com grandes coisas em sua vida, sonhava em casar com um príncipe, em ser amada. A menina cresceu e conheceu um príncipe, a família real a aprovou com louvor, ela era a escolha perfeita para estar ao lado dele. Então ele a pediu em casamento e ela aceitou, muito feliz. Seu sonho havia se realizado, ela mal podia acreditar.
O que a menina não sabia era que seu príncipe já amava alguém e que nunca conseguiria corresponder ao seu amor, ele nunca poderia atender ao seu segundo desejo: ser amada.
Quando se deu conta disso, começou a comer toda a sua angústia, tristeza, frustração, decepção.
Agora ela era uma princesa! Não poderia cometer erros, se mostrar vulnerável. Não era permitido demonstrar essas emoções, então ela ia engolindo uma a uma, até que não suportasse o incômodo, até que estivesse totalmente lotada.
Depois tinha que pôr tudo aquilo pra fora, sozinha, escondida, se machucava. Ninguém poderia enxergá-la assim. Ela era a esposa perfeita, a princesa perfeita. E continuou se afogando em suas emoções, viveu triste para sempre.
Essa poderia ser uma triste história infantil, que provavelmente nunca seria contada para as meninas, mas é uma história real (com o perdão do trocadilho), a da Princesa Diana.
A série The Crown da Netflix chegou à sua quarta temporada essa semana. Já vinha acompanhando a mesma e me deliciando com as relações familiares tecidas no Palácio de Buckingham e toda a carga emocional, desde a posse da rainha Elizabeth, passando por seu casamento, maternidade e fraternidade.
Todas as temporadas me fizeram refletir bastante de como a teia familiar vai deixando seu rastro e moldando muito do que somos, através do exemplo da família real britânica. No entanto, a mais recente, que traça o início e decorrer da relação de Lady Di e príncipe Charles foi a que mais me impactou, como psicóloga e pessoa.
A forma como tudo foi arranjado e o desenrolar do sofrimento posterior dos dois, o desencadear da bulimia nervosa da princesa, a pressão para a manutenção do casamento, dentre outras coisas.
Diana foi abandonada por sua mãe na infância, esta fugiu para ficar com outro homem, deixando seu pai e irmãos pra trás. A pequena Di não sabia disso, achava que estava viajando e a esperou durante um bom tempo, até entender que não voltaria mais.
Seu pai, por sua vez, caiu em depressão, e pouco se fez presente. Sua infância foi fria e solitária, criada por babás, juntamente com o irmão mais novo.
Sabendo de todo esse cenário, o qual pesquisei após assistir aos episódios, ficou mais nítido o que aconteceu com essa mulher, como ela acabou presa nesse labirinto, um labirinto emocional.
Diana, na procura pelo que não recebeu anteriormente (amor), encontrou exatamente o que temia: abandono.
Na busca pelo amor incondicional que não recebeu da mãe, aquela conexão tão importante na vida de uma criança, ela se atraiu por um homem extremamente inibido emocionalmente, que manteria uma amante por anos (Camilla Parker Bowles) e a abandonaria, por amar a mesma. Quase uma cópia fiel do que sua mãe havia feito.
Enquanto isso não acontecia, Diana arranjou algo que a aliviasse – comer compulsivamente e purgar todo o exagero alimentar em seguida. Ela não se sentia suficiente para aquela família exigente, e talvez nunca tivesse se sentido antes.
A bulimia foi a forma que encontrou para colocar para fora suas emoções em um ambiente onde isso era estritamente proibido. E se machucou, por repetidas vezes.
Bulimia ou Mia (apelido dado no meio virtual) é um distúrbio caracterizado por episódios compulsivos recorrentes e incontroláveis de consumo de grandes quantidades de alimentos, geralmente com muitas calorias, seguidos de comportamentos para evitar de ganho de peso, como induzir o próprio vômito, utilizar laxantes, fazer jejum e prática extenuante de exercício físico.
Dentre as causas da doença estão predisposição genética, pressão social e familiar e a valorização do corpo magro como ideal de beleza.
Indo mais à fundo, podemos colocar o transtorno como um mecanismo autoaliviador e evitativo, tal como a compulsão por compras, sexo, jogos, drogas, automutilação, etc. A pessoa quer aliviar a ativação emocional que sente e lança mão desse "recurso" nada saudável. E foi a saída que Diana encontrou naquele momento.
Além desta, percebo uma segunda saída, que foi uma faca de dois gumes para a rosa inglesa - ela começou a se alimentar incessantemente também do olhar do outro. A necessidade de aprovação é algo bem comum em pessoas que têm crenças de abandono, ou seja, que acreditam que uma hora ou outra vão acabar sendo deixadas, trocadas, abandonadas.
Havia câmeras o tempo todo e manifestações de carinho de pessoas do mundo inteiro, era muita atenção dirigida a ela, o que não agradou a Charles. Ele já se sentia colocado de lado pela mãe e necessitava muito de valorização.
Ao lado de Diana, o príncipe era mero coadjuvante, todos os olhares se voltavam para ela. Ele não suportou isso, o que fica muito claro na ida dos dois à Austrália e em outros momentos mostrados na série.
O que confortava Diana - esse amor dos súditos - também a fazia sofrer, afastando-a cada vez mais de seu esposo. Além disso, era uma exposição excessiva, que um dia culminaria em sua morte, mas o seriado não chega a tal ponto nesta temporada.
Voltando ao tópico da bulimia nervosa, para fechar meu texto, tenho algumas colocações.
A produção do programa tomou o cuidado de alertar sobre as cenas bem verossímeis do distúrbio alimentar (no início de cada episódio onde seriam exibidas), posto que essas podem se tornar um gatilho para alguém com a mesma condição ou que esteja na iminência de iniciar tal comportamento. Um cuidado louvável.
Penso que poderiam ter explorado mais o assunto, trazendo informações ao público. Ainda assim, a menção do distúrbio pode trazer à tona a discussão sobre o tema, o que em si já é positivo.
Finalizo por aqui minha dica de seriado. Quis focar em Diana, mas o programa aborda muitas outras questões interessantes, a exemplo da passagem de Margaret Thatcher como primeira ministra, o que por si só já renderia assunto para um novo texto.
Link da imagem:
https://cultura.estadao.com.br/noticias/series,casamento-de-charles-e-diana-e-destaque-na-quarta-temporada-de-the-crown,70003473615
Obrigada, Priscila! Verdade viu, temos que nos conhecer e trabalhar, para não cair em padrões inconscientes que nos trazem sofrimento.
Muito punk! Percebemos como nossas relações são um reflexo de nossas carências e quanto menos consciencia temos disso mais vulneráveis ficamos