Sou formada em Letras Vernáculas, pela Universidade Federal da Bahia, estou cursando o mestrado pela mesma Universidade. Falo inglês e espanhol fluentemente e agora estou aprendendo francês. Já apresentei em congressos, inclusive internacionais, tenho algumas publicações, escrevo aqui para o Soteroprosa, mas não consigo encontrar um emprego na minha área que me pague um salário-mínimo e por conta do Governo de Bolsonaro também não recebi bolsa do mestrado.
Esses dias ando irritada e revoltada com esse sistema, porque eu, uma pessoa com formação e currículo não consigo ter ascensão na minha carreira. Meu companheiro é publicitário, ganhou um Galo de Prata, e faz muito tempo que não consegue um emprego em uma agência, muito menos um que o pague bem. Hoje vive como autônomo, tem seu próprio negócio, é pizzaiolo, porém depende de um aplicativo de comida que muitas vezes arranca uma porcentagem imensa sobre o seu produto, desvalorizando a sua força de trabalho.
As vezes me pego pensando, será que deveria ter feito Medicina? Ou concluído a graduação que deixei em aberto em Direito? Será que faria alguma diferença? Talvez não, porque o mundo capitalista quer que a gente se ferre. Eu, com todos os meus privilégios de classe média, filha de funcionários públicos, estou reclamando, imagina como deve ser para o homem ou a mulher que mora na periferia, que mora no morro, que tem um, dois, três, quatro filhos, e precisa acordar 4h ou 5h da manhã para pegar o ônibus e só voltar para casa lá para quase oito da noite ou mais, por conta da necessidade de ganhar um salário-mínimo ou até menos que isso? Será que essa pessoa não se esforça? Não tem mérito pelo seu trabalho?
Enquanto isso, milionários e bilionários sem consciência do sistema ou tarados pela acumulação de bens estão aí esbanjando a riqueza do mundo em iates, planejando voos para o espaço ou submergindo em submarinos, enquanto milhares de pessoas morrem sob os seus pés. Que eles se explodam em suas façanhas de filmes de Hollywood. “O mundo não é justo, minha pequena criança,” e eu gostaria de ter ouvido isso ainda mais cedo para não me sentir tão frustrada. Não queria ter sido iludida pela fantasia do maravilhoso mundo de Disney.
Volta e meia fico devaneando na Revolução Francesa e na decapitação da monarquia. Cortem a cabeça dos ultra milionários e dos bilionários, por favor, porque tem uma Maria, um João, um José catando lixo na rua e dormindo em uma casa de papelão. E isso é banalizado diariamente. Exclamamos: “Olha, mais um ser humano passando fome”, isso quando nos compadecemos, antes de continuarmos com as nossas vidas medíocres tentando chegar em algum lugar utópico pintando pela meritocracia que o capitalismo desenhou.
“Trabalhem enquanto eles dormem” uma ova, porque se você já não nasceu herdeiro, pouco ou quase nada da sua vida vai mudar. Obrigada capitalismo por matar os seus de fome e ainda há quem aplauda a meritocracia, enquanto influenciadores tal qual o Renato Cariani, que vendia a imagem de instrutor esportivo e dono de marca de suplementos, ostentava carros luxuosos e mansões a custo da provável produção de crack e cocaína, logo ele que se diz cidadão de bem. Logo ele que defende a meritocracia. Mas é só mais um homem branco padrão que se fortalece com o tráfico de drogas, infelizmente a mídia não o noticiou como traficante, assim como fazem com pretos e pobres, porque a mídia tradicional também comuna com o sistema racista e explorador que serve aos brancos e ricos.
E no final, apesar de todo esse papo academicista, de Marxismo ou Anarquismo, toda essa conversa de fazer a revolução, de querer mudar o sistema, tacar fogo em banco, quebrar prédios de grandes empresas privadas, ou até mesmo a revolução proletária, a tomada dos meios de produção, digo isso em um cenário de insurgência que está deveras distante da nossa realidade brasileira, de quase zero consciência de classe.
Apesar dessa possibilidade imaginativa que tem uma probabilidade mínima de acontecer, amanhã, dona Ivone estará novamente pegando seu ônibus às 5 da manhã para lavar a privada da madame, da patroa médica, ou do seu patrão advogado, que se acha superior a ela porque ganha uns trocados a mais. Mal eles sabem que também são escravos do sistema, que estão mais próximo de sua empregada do que de Mark Zuckerberg.
Amanhã, infelizmente, nada vai mudar, o capitalismo continuará contaminando o mundo com toda a sua dor. Ele sim é a verdadeira praga. O mendigo passando fome continuará dormindo de baixo da ponte, catando lixo, se um playboy não o espancá-lo antes, até a morte. E só o que nos restará mesmo, é a morte. Talvez o maravilho fim, porque como já dizia a famosa frase de Frederic Jamerson, estudioso da cultura pop e das utopias e distopias, posteriormente reproduzida por outros pensadores como Mark Fisher e Slavo Žižek : “É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo.”
Comments