A cada fase de nossa existência enxergamos a vida de uma maneira bem particular. Quando crianças nunca pensamos no fim, ele simplesmente não existe. Quando jovens o fim parece mais um motivo para provarmos que não damos a mínima para o perigo e todos os problemas que os adultos “inventam”. Quando adultos, começamos, em alguns casos, a enxergar as luzes da estação final e entramos numa fase de reflexões, ressignificados, necessidades de mudanças e a ansiedade constante para retardarmos um processo natural que até então não havíamos dado conta.
A finitude é um dilema humano. Uns maldizem, outros abençoam, muitos não querem nem falar no assunto. O fato é que, mesmo que não desejemos, todos nós chegaremos ao fim.
Raul Seixas na sua música (em parceria com Paulo Coelho) “Canto para a minha morte” de 1984, relata uma morte pintada como os pinceis de um poeta:
Oh morte, tu que és tão forte. Que matas o gato, o rato e o homem. Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar. Que meu corpo seja cremado e que minhas cinzas. alimentem a erva. E que a erva alimente outro homem como eu Porque eu continuarei neste homem. Nos meus filhos, na palavra rude. Que eu disse para alguém que não gostava. E até no uísque que eu não terminei de beber aquela noite
Nessa mesma música Raul e Paulo questionam também e de maneira extremamente lúcida “Qual será a forma da minha morte?” e, naquela época, essa letra descia arranhando as gargantas de uma população ainda desacostumada a pensar fora de caixas como os autores propunham.
Curioso escritor, fico intrigado diante dos apelos midiáticos cada vez mais fortes, da banalização da vida e lanço uma pergunta para o meu leitor: o que a morte representa para você? Qual sua expectativa sobre a ideia da inexorável finitude?
Sagaz e cruel o capital tratou imediatamente de transformar a morte num evento “pop Business” onde o choro e o sofrimento alheio se tornaram o gozo, o desfecho mágico que rende visualizações, curtidas e compartilhamentos mil. E não é difícil enxergarmos claramente exemplos como o que acontece com os palestinos e israelenses, ucranianos e russos e tantas guerras deflagradas pelo mundo com taxas assustadoras de letalidade. Os cofres das igrejas, das mídias da carnificina, as empresas de armas, de segurança privada e os negócios ligados à morte amontoam milhões, bilhões, trilhões às custas de vidas.
Durante todo tempo somos induzidos ou forçados ao “encaixe” numa estrutura econômica que baseia-se muito em padrões e no fomento da ilusão. Viver iludido é, quem sabe, a melhor maneira de se viver no capitalismo. Achamos que somos importantes, achamos que somos melhores que os outros, achamos que seremos felizes, achamos que encontraremos a nossa alma gêmea. Acreditamos em papai Noel, assim como acreditamos que podemos enriquecer apenas nos esforçando mais, acreditamos que só o trabalho enobrece, acreditamos que possamos comprar terras espirituais com dinheiro do mundo e tantas outras ilusões que o mercado precisa alimentar dentro de nós para que possamos sustentá-lo.
Nascido após o período feudal europeu (século XV) e consolidando-se a partir da primeira Revolução Industrial (entre 1760 e 1850), o capitalismo tem seus pilares na propriedade privada, no lucro, no trabalho assalariado, na economia de mercado e em uma sociedade formada por classes. Não se restringe apenas a um modelo econômico, seus tentáculos invadem as relações em todos os níveis possíveis e até impossíveis de se imaginar.
Com tanto foco no lucro e na necessidade de estar à frente dos outros o ser humano ironicamente “esqueceu de si mesmo para pesar só em si”. Um esquecimento que faz, de certa forma, com que o homem não valorize seu semelhante, confunda valores, distorça princípios, anestesie a empatia e concorra contra a preservação da sua própria espécie.
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Link da imagem: https://anima.pucminas.br/finitude-da-vida/
Albert Camus Já dizia que a questão fundamental é saber se a vida vale a pena ser vivida, ou seja, a morte é uma certeza certa, então, como escolhemos viver? Parabéns! Ótima reflexão.
Excelente reflexão
Esse é um tema que gosto muito. O capitalismo e todos os seus tentáculos nos fazem esquecer que morremos. Esquecemos que somos mortais. Falar de morte é odioso. Isso é para quem é chato, triste ou depressivo. Um tremendo preconceito e risco. Falar da vida sem a morte é uma fantasia. Falar da morte, é ao contrário, reconhecer a vida.