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6 MOTIVOS QUE FAZEM UM MARXISTA SE APAIXONAR POR PUTIN

Atualizado: 5 de abr. de 2022




Parece que a pandemia não foi o suficiente, não é? Faltava algo no bolo, um tipo de cereja amarga e velha, algo que coroasse o desfile sombrio de acontecimentos bizarros. Recentemente assistimos a retomada de conflitos que a nossa geração apenas conhecia em livros de história, quando no ensino médio nossas apresentações de papel cartolina analisavam as grandes batalhas que tomaram posse do século XX. Fenômenos históricos distantes, dispersos em letras impressas num papel, ou talvez em algum documentário exibido no final de alguma aula de humanas... isso era tudo!!! De volta a nossa casa, depois de um dia cheio de leituras e apresentações, programas de tipo besteirol, desenhos animados, novelas de início de noite, nos esperavam de braços abertos... SAUDADE!!! Saudade do tempo em que as contradições do mundo eram encobertas por algum manto ideológico qualquer, mascaradas com histórias doces e irreais. Hoje em dia, como disse o próprio Žižek, essas mesmas contradições transbordam por todos os lados, escancaradas diante dos nossos olhos, fazendo da indústria cultural um campo de surpresas e crises, ao invés de um mar de rosas e suavidades, como imaginava Adorno e sua teoria crítica. O mundo não pede mais licença, não é mais educado, formal, ideológico, muito menos poético... ele chuta a porta e cospe na sua cara!!!!


O PCO, um partido de extrema esquerda, não apenas declarou apoio incondicional a Putin recentemente, mas mobiliza manifestações públicas também em defesa do russo. Até mesmo o PT, considerado por muitos um partido de centro esquerda, teve alguns de seus membros declarando o mesmo tipo de apoio, como foi o caso da curiosa nota do PT senado no Twitter, retirada logo em seguida depois de sofrer duras críticas. Outros membros da esquerda, como Boulos, ou o próprio presidente Lula, condenaram a guerra, mas sem mencionar diretamente o nome de Putin, divulgando apenas mensagens vagas pedindo paz e união. Em países como a Venezuela de Maduro, a Nicarágua de Ortega e a Cuba de Miguel Díaz-Canel, o resultado não foi diferente. Todos declararam apoio total ao Russo, justificando suas investidas como legítimas. Mas por que isso acontece? O que justifica esse apoio ou até mesmo uma crítica mais contida ao governo Putin? Se você pensa que por trás de tudo existe um compromisso analítico e uma crítica aos interesses questionáveis da OTAN, ou algum percurso investigativo mais sério envolvendo o presidente da Ucrânia e suas raízes de extrema direita, ou, no mínimo, um olhar histórico mais sólido, peço que reveja suas opiniões. A defesa de Putin, e o ataque aos EUA, não tem nada de científico, sendo apenas uma reciclagem de fragmentos de velhas ideologias ainda guardadas em bolsos empoeirados.


Logo abaixo seguem alguns motivos que levaram muitos setores da esquerda a apoiar Putin. Embora o título desse ensaio seja provocativo, e até generalizante, o marxismo criticado nessas páginas se resume apenas ao que chamamos de ortodoxo, ou seja, os que insistem ainda em acolher uma ontologia de classe.


1) O Motivo Histórico: Presos em um retrato geopolítico congelado, muitos ainda acreditam que caminhamos nas trincheiras de uma guerra fria, na mesma configuração de forças de décadas atrás. Muitos setores mais ortodoxos da esquerda, especialmente marxistas, não compreendem que as circunstâncias são outras, não percebem que a própria Rússia não é mais a União Soviética e que nem mesmo os EUA são a grande potência que muitos tanto temiam. O campo geopolítico não apenas é múltiplo, mas complexo, como é possível perceber na impressionante ruptura que esse conflito entre Rússia e Ucrânia gerou internamente na Esquerda e na Direita. Ao contrário da década de 80 e 90, as coisas não parecem mais binárias, não parecem mais simples, o que torna difícil escolher um lado, representar heróis, vilões, muito menos um projeto revolucionário e emancipador de fundo. Em quem vamos apostar? A) Na OTAN e sua pretensão de neutralidade encoberta de cinismo e hipocrisia B) Em Putin e seu governo ressentido, agressivo e reacionário ou C) Na Ucrânia e seu flerte com o neofascismo, sem contar seu presidente com suas piadas de mal gosto. Escolha difícil...


No caso específico de Putin, precisamos lembrar que o russo não se importa, nem um pouco, com modos de produção e uma crítica interna ao capitalismo... não é esse o motivo que justifica seu ódio absoluto a OTAN. Da ex-União Soviética só restou apenas o ressentimento oco contra os EUA, e seu projeto de uma democracia liberal. Os anos turbulentos como agente secreto da KGB deixaram dolorosas marcas físicas e psicológicas em Putin, enquanto as pautas propriamente de esquerda não existem mais, nem mesmo de longe. Putin não atende os requisitos nem de uma esquerda clássica (marxismo, anarquismo) e seus pedidos estruturais de revolução, nem de uma esquerda liberal (pós-estruturalismo) e suas demandas por reconhecimento e diversidade. Apesar da OTAN ainda ser liderada pelos EUA, inclusive ideologicamente falando, o cenário geopolítico contemporâneo, e em especial o conflito dos últimos dias, não pode ser visto como uma batalha entre modos de produção (capitalismo x comunismo), muito menos um reflexo de um modelo geopolítico binário, como alguns ainda insistem em oferecer. As circunstâncias agora são outras e pedem por um outro tipo de análise. Presos em um binarismo amador, muitos setores da esquerda não conseguem perceber outros tons de cores, mas apenas o clássico branco e preto... o arco-iris de possibilidade se dissolve em interpretações desgastadas que não correspondem ao mundo.


2) O Motivo Político: Putin é considerado por muitos como um líder de esquerda pelo simples fato de se opor ao imperialismo da OTAN, encabeçado pelos EUA. O critério definidor de esquerda acaba sendo tão amplo, tão vago, que qualquer criatura dentro dos mínimos requisitos se torna magicamente um “camarada” ou um “companheiro”. O clássico lema “o inimigo do meu inimigo é meu amigo” parece rondar muitos setores de esquerda, especialmente a mais tradicional. Se esse raciocínio for verdade, se uma resistência ao imperialismo norte-americano é sinal imediato de esquerdismo, logo vários setores radicais do islã seriam também de esquerda. Na verdade, boa parte de governos “orientais”, como Coreia do Norte, Filipinas, além de muitos outros, teriam que ser considerados esquerdistas. Vários colegas esquecem que Putin é contra muitos dos valores defendidos pela esquerda de países liberais, a exemplo da nossa, como liberdade de expressão, movimentos LGBTQIA+, resistência política, autonomia dos poderes, impressa livre, etc. Também não podemos esquecer das parcerias de extrema direita que Putin estabeleceu nos últimos anos, a mais bombástica com Le Pen.


3) O Motivo Estratégico: Muitos culpam a OTAN como responsável pelos problemas que ocorrem hoje, mas esquecem que desde a invasão agressiva da Crimeia Putin tornou a entrada na OTAN mais atraente para a própria Ucrânia. As decisões irresponsáveis, e a própria política internacional suspeita, opaca e agressiva de Putin aproximou a Ucrânia dos braços norte-americanos, por mais suspeitos que esses braços sejam, e não nego isso. Culpar apenas a OTAN pelo acontecido, como se o governo Russo fosse apenas uma vítima de influências externas, nada mais do que uma criança inconsequente, é perder de vista o contexto histórico que se estende desde 2014 e a invasão da Crimeia.


4) O Motivo Epistêmico: Temos aqui a boa e velha paranoia da esquerda mais ortodoxa, uma única e grande narrativa histórica que atravessa os tempos e as gerações. Não importa o que aconteça, não importa os atores em jogo, tudo se resume a um mesmo denominador comum. Tudo se encaixa em uma mesma matriz interpretativa, não importa os contornos materiais do próprio mundo. Isso significa que ao invés de circunstâncias serem avaliadas dentro de redes relacionais que pedem por análise, além de um cuidado metodológico necessário, temos o completo oposto. Žižek chamaria isso de ponto de basta, esse extremo que ao invés de nos fazer repensar o nosso campo argumentativo, apenas reforça os parâmetros iniciais. Entramos, portanto, em uma lógica circular, muitas vezes de um silogismo bizarro que sempre reproduz as mesmas premissas com os mesmos resultados previsíveis.


5) O Motivo Psicológico: O apoio a Putin é uma ótima oportunidade para reacender o ódio contra os EUA e seu "projeto" de domínio mundial. Não subestimem o poder do ódio, e da sua capacidade de mobilização, assim como de organizar o sentido de práticas, pensamentos e identidades. Odiar, principalmente em momentos de crise, é um dos remédios mais eficazes contra a ansiedade. O binarismo, portanto, não é um sinal de falta de inteligência, mas um claro reflexo de uma demanda psicológica imediata.



6) O Motivo Metodológico: Muitos não tem o conhecimento necessário sobre o que acontece hoje no leste europeu, mas ainda assim sentem a obrigação de opinar. Diferente de outras áreas, como física e química, a falta de conhecimento não intimida o cientista social e humano... muito pelo contrário. Diante da falta de uma pesquisa aprofundada, e estudos específicos, muitos grupos de esquerda apenas reciclam fórmulas velhas que guardavam no bolso, apenas esperando a hora certa de ressurgir.


As circunstâncias mais do que nunca são complexas, o que demanda muito investimento de pesquisa, debates e análises. Precisamos sair do terreno confortável e lembrar de uma vez por todas que hoje é 1 de março de 2022 e não maio de 1968. Talvez, e apenas talvez, não precisamos apostar em lados, mas em corpos. Independente de causas, motivos, ou circunstâncias, como diria a própria Greta Thunberg: “calem a boca e resolvam o problema”. Não vou defender aqui a ideia de que existem diferentes pontos de vista... lamento, mas não sou tão pós-estrutural. Para além do relativismo das visões de mundo, para além das perspectivas e narrativas, existem fatos: e o fato é que pessoas inocentes estão morrendo. Não importa o que aconteceu antes... não importa o que vai acontecer depois... Ao contrário de figuras como Fanon, não acredito que a violência é justificada, mesmo quando parece revolucionária, mesmo quando parece inevitável. Independente de lado, independente das justificativas que passeiam na sua cabeça, ouça os gritos de mães, pais e crianças ... ouça seus ossos despedaçados por bombardeios matinais... ouça a crise de ansiedade que acompanha cada segundo da existência dos ucranianos. Por um momento, ainda que por um breve segundo, pare de justificar, interpretar, analisar... VEJA!!! A guerra NUNCA é justificada, nem mesmo quando achamos uma breve justificativa escondida nas profundezas da nossa mente.


Referência da imagem:


https://br.noticias.yahoo.com/conta-ucrania-ublica-caricatura-adolf-hitler-aprovacao-vladimir-putin-134638236.html


4 Comments

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Danilo Boa Morte
Danilo Boa Morte
Mar 02, 2022

Texto interessante, mas de qual marxista está falando? Existem vários rs. O PCO, mesmo se dizendo de extrema esquerda flerta com muitas ideias da direita, há desvios ideológicos muito grandes nesses partidos citados. Acredito que faltou um contraponto a essa esquerda dita no texto. Por exemplo a UP - Unidade Popular, partido de esquerda e marxista, condenou essa guerra interimperialista. Da mesma forma a CIPOLM - Conferência Internacional de Partidos e Organizações Marxistas-Leninistas fez.

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Thiago Pinho
Thiago Pinho
Mar 02, 2022
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Ah sim, com certeza. Talvez não tenha ficado muito claro. Não me referi ao marxismo em geral, com certeza não

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Alan Rangel
Alan Rangel
Mar 01, 2022

Muito bom. Texto conservador até... rsrsr e eu concordo também com a última parte, sobre a questão maior, a vida. A moral mais elevada. Inclusive há vários nichos ideológicos que subordinam a vida à liberdade, igualdade, socialismo etc.

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Marcos Lima
Marcos Lima
Mar 01, 2022

Reflexão perfeita. Assim que começaram a chegar essas notícias dos recentes ataques... muitos, muitos mesmo, IMEDIATAMENTE, saíram com suas análises, na defensiva, denunciando a OTAN/EUA, e isso me preocupou muito, pois reforça essa simples dualidade, em que um é culpado e o outro é "mocinho da história" e não tem mocinho nessa história, além de mostrar pouco rigor em relação as pesquisas mais recentes. Enfim, esse seu texto é extremamente necessário.

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