Em 1969, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos criou um sistema de compartilhamento de informações, chamada inicialmente de Arpanet (Advanced Research Projects Agency Network). O objetivo era garantir uma comunicação não local entre as bases militares dos EUA, em meio à Guerra Fria. Uma ferramenta poderosa para aumentar as chances de sucesso frente à investida da URSS. Alvos estratégicos militares. A primeira conexão virtual, em 29 de outubro, foi estabelecida entre a Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e o Instituo de Stanford Research Institute. Um momento histórico, pois foi a criação do primeiro envio de email.
O ataque dos russos não chegou. Com isso, pesquisas foram sendo desenvolvidas nas universidades americanas, integrando contatos entre professores, pesquisadores, estudantes e o governo. Este último, continuou a injetar recursos, a fim de aperfeiçoar a nova tecnologia, sem dúvida a mais importante do século XX.
Em 1990, o britânico Tim Bernes-Lee, engenheiro da Organização Europeia para a Pesquisa Nucelar (CERN), desenvolveu o World Wide Web (WWW). Criou um sistema descentralizado de gerenciamento de informações para acessar a rede de computadores. O físico abriu as portas ao desenvolvimento de interfaces gráficas mais sofisticadas. Em 1993, a internet virou realmente pública.
Passados 51 anos desde a invenção da internet, como a sua popularização mudou a face da sociedade? Certamente o impacto foi colossal. Hercúleo. As suas ferramentas ainda continuarão a revolucionar a humanidade. Para se ter uma ideia, a diferença entre off e on deve acabar num futuro muito breve. Tudo será instantâneo. Você não precisará aprender uma língua nova para falar com um estrangeiro. Ou mesmo não será mais necessário digitar algo. Chips e outras parafernálias farão parte do corpo humano.
Mas a democratização da informação e a redução de barreiras físicas pode acabar com o que chamamos de democracia liberal? Ao ser difundida a internet, partimos de um pressuposto ingênuo de que todos os indivíduos, gradativamente, partilhariam de interesses comuns em escala global, numa grande aldeia ética. Os indivíduos usariam as ferramentas para promover e compartilhar conhecimento, sempre baseados em coisas verídicas. Em fatos. As trocas dar-se-iam em nome da verdade e do progresso humano. Um grande pacto social virtual entre seres íntegros! Só não imaginaram que os sapiens é uma espécie um pouco mais complexa.
A democratização do conhecimento teve efeitos colaterais. Possibilitou a proliferação mais associal e destrutiva do humano. Disseminou todos os dejetos imorais, toscos e perversos disparados a nível global. Aquele suposto pacto fictício virtual, entre indivíduos honestos dispostos a trocar experiências e informações, reproduziu em larga escala o lado mais pobre e sombrio da humanidade. Fake news, terrorismo e crimes virtuais de todo tipo, nomofobia, ignorância compartilhada, formulações conspiratórias, tribos raivosas, discursos de ódio contra grupos, ataques à democracia e aos direitos humanos, tudo isso faz parte dos desdobramentos obscuros da internet, não previstos pelos pais engenheiros americanos. E ainda há muita muitos monstros no subsolo, no submundo da dark web.
Como será o futuro da internet na relação entre cidadãos e governos? Será que o Estado tomará providências mais pesadas, controlando o uso desta tecnologia tão poderosa que pode destruir vidas e laços sociais? E o Estado democrático de direito, combina com a suposta liberdade individual no uso da ferramenta virtual?
Países autoritários têm monitorado os usuários e rastreando seus acessos. É uma forma de controle em massa. Um panóptico cibernético. E as empresas, serão capazes de criar mecanismos de defesa a fim de evitar a disseminação de inverdades, crimes cibernéticos e discursos associais extremistas?
Recomeçar o uso da internet parece um caminho meio improvável. Empresas, estados e cidadãos conscientes terão que remendar o estrago produzido com o bond andando, ao menos nas chamadas sociedades liberais. Mesmo estas, ainda de forma tímida, já vêm mudando o pensamento original de que os indivíduos seriam capazes de aperfeiçoar seus comportamentos visando algum tipo de bem geral. Se continuarem a apostar nesse caminho utópico, poderão ver seus princípios mais caros, na política, no direito e nos modos de vida, serem detonados pelos seus vários inimigos, velhos e novos.
A internet, criada pelos pais da democracia moderna, nasceu como uma arma contra o inimigo soviético. Contra uma ideologia antiliberal que queria prevalecer no mundo. Hoje, a tecnologia parece ser uma ameaça á própria existência dos estados liberais. O feitiço virando contra o feiticeiro.
Fonte da imagem de tifão, o famoso monstro marinha da mitologia grega : https://super.abril.com.br/blog/superlistas/5-monstros-e-criaturas-fantasticas-da-mitologia-grega/