Acordou em mais um dia (maldito dia!). Preferia não ver outro deles nascer, não precisar levantar da cama, falar com as pessoas, não existir.
Sentia o peso da pata de um elefante em seu peito, a impedia de fazer qualquer coisa. Não conseguia se alegrar com nada. Tudo era cinza. Tudo era desânimo.
Pensava estar só, mesmo com muitos ao redor.
Se irritava com cada pequena coisa nesse maldito dia. Se irritava, principalmente, consigo mesma.
Já ele, acordou com medo, em pânico, lhe faltava o ar, seu coração quase chegava à boca, suava frio. Era como se não pertencesse àquele lugar. Sentia que o pior iria acontecer, imaginava tudo de terrível que viria depois. A sensação era de morte iminente, angústia insistente.
Ambos se viam fracos, desequilibrados, defeituosos.
Não conseguir ser feliz como as outras pessoas tanto mostravam em suas redes - uma vida tão maravilhosa - era um fardo.
Não quero ser assim!
Me dizem que tenho que ter força de vontade, que depende do meu esforço, mas eu simplesmente não consigo. Só consigo me sentir pior com tal conselho.
Estão sempre me falando pra não ser tão dramático, preocupado, que deveria deixar as coisas acontecerem e relaxar. E fico cada vez mais em alerta e tenso. Estou paralisado.
Me sinto uma inútil./Me sinto um louco.
Me esvazio em mim.
Me sufoco em mim.
Me perco em mim.
E aqui: vou ficando, me escondendo, até que, por fim, mais um dia acabe.
Pouco tempo antes da sua morte, em março de 2015, Chico Anysio decidiu lutar contra o preconceito que rodeia as doenças mentais no Brasil. O humorista sofria de depressão.
Em uma ocasião, segundo artigo na revista Exame, recebeu em sua casa o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), para gravar um depoimento para uma campanha. No meio da conversa, Chico deu uma sugestão:
“Antigamente existiam carros usados. Agora chamam de “seminovos”. As coisas hoje têm esses nomes. Crie um nome para o preconceito.”
“Depressão é frescura!”
“Ansiedade é falta do que fazer"
“A filha de fulano tentou se matar, quer chamar atenção.”
Você já ouviu ou falou esse tipo de frase, se pegou tendo um olhar discriminatório em relação à essas condições? Será que você realmente entende o que vivencia uma pessoa que sofre de algo assim?
Sofrer de um transtorno de ansiedade, depressão, bipolaridade, esquizofrenia, dentre outros, é algo bastante possível para uma grande maioria de nós. Claro que ninguém quer passar por isso.
Psicofobia, foi o termo que surgiu após algumas reuniões da ABP, diante da deixa de Anísio. O verbete é utilizado para se referir ao preconceito contra pessoas que apresentam transtornos psiquiátricos/psicológicos.
Nesse caso, o sufixo fobia não carrega o sentido clínico, de medo patológico, mas o de não entendimento, que leva a pensamentos, posturas e atitudes negativas, pejorativas, quando o assunto é doença mental.
Isso não vem de hoje. À exceção dos gregos - que acreditavam ser uma manifestação divina, um excesso de paixão - na história da humanidade, as pessoas que sofriam de transtornos psiquiátricos eram relacionadas à feitiçaria ou algo maligno, como possuídas pelo demônio, e, por isso, deveriam ser banidas.
Ao longo do tempo essa visão foi perpetuada. Quem se enquadrava como doente, tinha de ser colocado à parte. Afinal, o que eu não entendo, e consequentemente não sei lidar, eu marginalizo.
Desde o nascimento, nos incentivam a sermos indivíduos “funcionais” o tempo todo, que não devem ficar tristes ou desanimados, possuir oscilações de humor ou expressar raiva. Temos que engolir o choro e seguir com um sorriso no rosto. Temos de ser produtivos para a sociedade.
Então, é natural que ninguém queira enxergar o que sai desse padrão esperado de normalidade, o que transborda emoção, o que demonstra vulnerabilidade.
O fato é que isso é impossível. Como citei anteriormente, qualquer pessoa é passível de ser acometida por um momento de depressão, ansiedade, se descobrir bipolar ou desencadear uma psicose, por algum fator, seja ele genético, psicológico, social, etc.
Mas ao perceber algo desse nível ao seu lado, e se lhe incomoda, se não deveria existir, ou você minimiza, nega, ou finge não ver, colocando de lado.
Nesse momento a negligência entra em cena.
Ao reduzir os sintomas (na maioria das vezes incontroláveis) à uma tentativa de chamar a atenção, falta de atividades, invenção de um drama ou características de personalidade, a consequência não será uma melhora, mas a falta de informação, de cuidado, uma inibição à procura de ajuda, ou seja, o vulgo jogar para debaixo do tapete.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), nosso país tem o maior número de pessoas ansiosas do mundo: 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população) convivem com o transtorno. Os diagnosticados com depressão, são 11,5 milhões - o equivalente a 5,8% da população. E em 2016, foram registrados 13.467 casos de suicídio por aqui (lembrando que provavelmente é um valor subnotificado, devido ao tabu). Uma pessoa se mata a cada quatro segundos no mundo. Isso corresponde a 800.000 mortes por ano.
O número é superior aos óbitos por malária, câncer de mama, guerra ou homicídio, significando “um sério problema de saúde pública global”, alerta a organização.
Os dígitos apontam uma ameaça clara, mas a psicofobia nossa de cada dia, continua a reduzir e esconder tal realidade, o que dificulta o diálogo e um enfrentamento mais saudável, preventivo - em certos casos - e maior empenho em políticas públicas, em outros.
Além disso, esse tipo de reação, provoca um aumento dos próprios sintomas que já estavam instalados. A pessoa irá se isolar, se culpar, se criticar muito mais, e terá vergonha de procurar ajuda, como já pontuado.
Acredito que o momento da pandemia, o qual atravessamos, permeado pelo isolamento, perdas e drásticas mudanças em nossas vidas, é extremamente oportuno para falarmos sobre isso.
Devido ao panorama, uma parcela grande das pessoas está sofrendo e começou a desenvolver algum nível de estresse, ansiedade ou depressão, de acordo com pesquisas recentes.
Já se prevê o que está sendo chamada de "Quarta Onda", de um adoecimento psicológico, em grande escala, como uma das consequências do que estamos vivendo.
Penso que, apesar de ser uma péssima notícia, pode estimular uma maior empatia e entendimento em relação à quem já passava por tal situação.
Talvez provoque um olhar para o cuidado com a saúde mental e maior busca de informação acerca da temática.
Devemos lembrar quanto sofrimento pode ser evitado com conhecimento, conversa e aceitação. Negação e preconceito só produzem mais adoecimento.
Referências:
FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972.
https://www.google.com/amp/s/exame.com/ciencia/brasil-e-o-pais-mais-ansioso-do-mundo-segundo-a-oms/amp/
https://www.google.com/amp/s/veja.abril.com.br/saude/suicidio-e-segunda-causa-de-morte-entre-jovens-de-15-a-24-anos-diz-oms/amp/