O número de empresas de streamings de música e de audiovisual tem aumentado assim como os adeptos a essas plataformas. Dois fatores chamam atenção nisso: as mudanças dos meios de comunicação devido ao avanço tecnológico e a maneira como os meios de massa já consagrados tem lidado com essa nova forma de consumo cultural.
O teatro já foi o local onde as pessoas iam para assistir espetáculos, assim como os concertos e os saraus para ouvir músicas, algo que com os meios técnicos ampliou e modificou. A chegada do cinema, depois o acesso aos VHS, em seguida a popularização dos DVDs e agora a Netflix. Quanto a música, essas já foram consumidas através de vinis, da fita K7, depois o CD, o MP3 e agora o Spotify.
Mas nessa viagem ao passado que também é um pouco do presente não podemos descartar o rádio e a televisão que de todas essas tecnologias são as que ainda sobrevivem ao século XXI, diferentemente de outras mídias que se tornaram obsoletas. Inclusive tanto o rádio como a TV se adaptaram aos meios técnicos. É possível ouvir rádio e ver TV no celular, através de aplicativos e de sites, não se restringindo a uma mídia física como o aparelho de rádio ou o aparelho de televisão.
Nessa conjuntura, os streamings seguem a linha do rádio e da TV. É possível acessar os conteúdos em vários aparelhos físicos: celular, televisão, tablet, notebook. Eles estão sempre a mão. Essa semelhança com o rádio e a televisão talvez tenha sido um dos fatores que fizeram a mídia física ser abandonada ou ao menos posta em segundo plano já que existem os saudosistas que continuam a consumi-las.
Outra vantagem e desvantagem comparada com a televisão e o rádio é que é possível escolher os conteúdos, ou seja, esses não ficam aquém de uma edição, em concomitância a pertinência de uma autonomia do consumidor eles se limitam ao gosto do cliente, sempre gerando códigos de filmes e músicas parecidas com o já visto anteriormente. O lado bom é que se pode se especializar em uma coisa, a parte ruim, o conteúdo fica restrito na tela, exceto para os curiosos os quais acabam desbravando os catálogos desses aplicativos de streaming não se perdendo a tela inicial.
Nessa conjuntura se faz necessário refletir que esses aplicativos têm donos, então o catálogo segue os interesses da empresa seja por questões financeiras (a plataforma precisa pagar direitos autorais) ou outros pontos como a política, por exemplo, o teor da obra pode apresentar ideias controversas com o que compactua o streaming. Portanto, não é possível encontrar alguns produtos que só estão disponíveis no infinito do mundo da internet.
Falando do mundo em que residem os Torrents, o pagamento dos direitos autorais dos streamings facilitou a diminuição da pirataria, ou seja, os que pirateiam ainda são aqueles que se recusam a aderir o capitalismo das redes seja por necessidade ou por escolha. Ainda existem as pessoas que querem achar objetos culturais controversos, raros, extremamente atuais ou super antigos, algo que normalmente os streamings, principalmente os de filmes, são insuficientes.
O que chama atenção é no como nesse caminho o rádio e a televisão sobrevivem. Não vou ser injusta e dizer que os streamings conseguem competir de igual para igual com a televisão aberta e o rádio AM e FM, afinal esses são gratuitos. Mas a concorrência com os canais fechados, por exemplo, já é uma realidade. Muitas pessoas cancelaram seus pacotes em prol da opção dos stremings de audiovisual, sem contar o fechamento das locadoras de vídeo por conta deles.
A questão econômica é um fator, o valor de um bom pacote de televisão consegue abarcar pelo menos três streamings. Pensando no futuro, muitas redes de televisão têm criados suas plataformas de streaming e tem ganhado muitos aderentes dessas, inclusive de pessoas que não assinavam os canais. As emissoras têm hospedado seus conteúdos nas redes, algumas inclusive criam conteúdo exclusivo para a plataforma. Nesse sentido, a fórmula foi se unir a essa tecnologia para sobreviver ao mercado.
Outro ponto interessante é que os conteúdos originais das plataformas ficam hospedados até elas deixarem de existir -se isso acontecer, claro-. Afinal, por que a empresa apagaria seu próprio conteúdo? Não teria muito sentido. Então, essas plataformas acabam também servindo como um registro de arquivos daquela empresa, agora exposto para todos que tem acesso aos streamings, algo interessante ao pensar em história. No entanto, os conteúdos não originais são perecíveis, a sensação é de estar pagando aluguel ao fazer a assinatura, assim como aconteceria com um pacote de TV fechada.
Ao que tange as plataformas musicais, os artistas se tornam mais autônomos de suas obras. As gravadoras menos importantes. Se antes ganhava com a venda de mídias físicas, hoje a tendência é investir nos shows e em produtos exclusivos. O artista é também uma marca. Ainda assim, existe um lucro de direitos autorais pelas obras que estão hospedadas nos aplicativos de streaming.
Dentre outras reflexões, a ideia dos streamings intensifica o debate do real e do virtual. A mídia virtual fornece uma sensação da perda do mundo real já que antes os objetos era o portal para o acesso a essa virtualidade. Atualmente, no entanto, esses portais também são virtuais. Hoje em um clique é possível ouvir música, antes era preciso ir até uma loja comprar um disco, uma fita, um CD e reproduzir em um aparelho específico. Existia uma materialidade que não se tem mais. Por outro lado, tornar virtual aparentemente democratiza o acesso a cultura e facilita que se conheça mais objetos culturais, porém, nos dois casos há controvérsias.
Se antes era preciso esperar alguns meses para que um filme fosse lançado em DVD, hoje em uma semana eles já estão nas plataformas de streamings ou são lançados diretamente nessas plataformas, nem chegando a passar em cinemas. Mais uma vez modificando o meio de se reproduzir a obra de arte, remeto a Walter Benjamim em “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, se ali já existia a especialidade dos meios de massa isso se intensificou muito mais com os streaming que além de reproduzir em série obras de arte e objetos de massa, também pode limitar a visão de quem consome.
É um jogo que está em movimento. A televisão -para as fechadas já é uma realidade- está se reinventando nesse mundo virtual, mas fato é que se perde bastante também com esse novo modo de operar. Não estou defendendo a televisão já que nela existem muitas produções descartáveis ao pensar em obra de arte, o que adentraria outros debates, porém, ao assistir, por exemplo, um canal fechado, ainda que seja algo de nicho, um canal de filmes considerados cult, ali é possível assistir vários filmes desse segmento e não apenas de um diretor ou de um gênero.
A ascensão dos streamings, principalmente os de audiovisuais, significa também a extinção de alguns segmentos que fazem mais efeito na televisão, por exemplo, os talk shows e os programas de auditório, sendo assim, os formatos também é uma questão que se modificam com as plataformas.
Portanto, as escolhas agora nesses formatos não só se limitam aos de canais ou das estações de rádio, mas aos produtos e a maneira de consumo, complexificando o debate ao inserir propagandas e a maneira de seduzir o público, principalmente quando se tange a cancelamentos de produções, gerando produtos inacabados. Por outro lado, é inegável que a autonomia do consumo – ou algo próximo a isso- ficou mais evidente, intensificando a individualização da maneira de assistir e ouvir produtos culturais.
Imagem: Bansky - Kill television