O covid-19 será pior no Brasil e América Latina do que na Europa e Ásia? Antes de opinar sobre esse assunto, queria lembrar de um detalhe: nós precisamos aceitar pontos de vista diferentes, se não seremos como governantes, vide Bolsonaro, que mantém a visão fechada, falando absurdos como chamar o covid-19 de gripezinha; ou como Olavo, que disse que o vírus era uma mentira! Para não ser hipócrita, digo isso porque mudei de opinião sobre a questão de classe e covid-19: se antes defendi (no meu Instagram)¹ ingenuamente – e talvez insensivelmente (peço desculpas) – solidariedade para todos, agora preciso mudar e aceitar críticas sobre como o vírus pode afetar quem não tem privilégios.
Recentemente conversei com uma amiga que atualmente está morando no estado da Paraíba (eu estou em Pernambuco). Ela me alertou para o problema da letalidade na Itália estar relacionado, também, à falta de leitos para atender os e as doentes. Quando falei em um vídeo no Instagram sobre o assunto, eu fiz a seguinte comparação: no caso da epidemia de Zika e microcefalia, só se descobriu o porquê de o Nordeste do Brasil ter tido mais casos dessa correlação anos após o fim da epidemia, a partir de pesquisas que sustentaram a correlação de cianotoxinas presentes na água do Nordeste em uma razão maior que em outras regiões do país, o que gerou maior dano neurológico a fetos durante a epidemia de Zika. Ora, não sabemos por que a taxa de letalidade do covid-19 foi maior na Itália do que na China – essas respostas só virão com mais pesquisas. Mas o que disse minha amiga, com certeza, também deve ser uma variável que não pode ser ignorada: a falta de leitos é um fator de controle da doença; sem leitos, mais mortes.
Outra questão sobre mudança de ponto de vista veio de conversas e críticas de minha Thays-linda, que alertou desde o princípio para o fato de, em suma, a classe trabalhadora não poder ficar de quarentena. Ora, de fato! As políticas de quarentena ditadas pelo Leviatã (Estado) na figura de governadores é uma alternativa que ignora àquela classe que os eurocêntricos colonialistas comunistas de outrora (Karl Marx e seu amigo, Friedrich Engels) chamavam de proletariado: a classe responsável pela produção de toda a riqueza material de nossa sociedade, ao invés do Estado – que seria o comitê executivo da classe dominante (leia-se burguesia), àquela classe que vive negociando empregos porque é dona dos postos de trabalho (meios de produção) e vive da exploração da mão de obra (força de trabalho) da classe trabalhadora. Dito em outras palavras: tem gente que precisa diariamente pegar o ônibus e metrô para ir trabalhar! Como falar de quarentena para essa população? E as favelas? Como pessoas de baixa renda podem comprar álcool gel e máscaras se muitas vezes não tem nem saneamento básico (problema esse que nos acompanha como um câncer desde epidemias como a de cólera do fim do século XIX²).
Finalmente atendo-me à questão que me propus a responder, devo salientar que foi uma terceira pessoa, o soteroprosador Alan, quem me inspirou a escrever essa questão após enviar um texto publicado no El País³ pelo filósofo Byung-Chul Han, um sulcoreano radicado na Alemanha, sobre a diferença de como a Europa e a Ásia têm lidado com a pandemia de covid-19. Para Han, a Europa está falhando, enquanto na Ásia a “hipertecnologia” (Bigdata) tem sido eficiente no combate à pandemia. Na Europa, presidentes da França, Espanha, Itália e a primeira ministra da Alemanha têm tomado medidas insuficientes, como fechar fronteiras e impor quarentena. Ao mesmo tempo, ainda segundo Han, a população da Ásia não só confia no Estado e o “obedece”, como também utiliza máscaras e se previne; enquanto que na Europa isso não tem sido feito em tempo e, ainda, os próprios governantes não dão exemplos (“igual que nem” no Brasil, com Bolsonaro desleixado com máscara e falando de gripezinha).
Por último, lembro de outra conversa, com minha adorável Thays-linda, sobre depois da crise se esperar um novo Estado de Bem Estar Social, já que o neoliberalismo demonstrou sua incapacidade de lidar com a crise e, de certo, levou à pandemia. Ora, Han disse o contrário: para ele o capitalismo sairá, a lá chinesa, com maior “pujança”. Ele afirma que não haverá uma revolução viral, pois seríamos nós quem deveríamos fazer a revolução contra o capitalismo (não o vírus!). Em minha opinião ou ponto de vista, e, agora vai, respondendo a pergunta inicial: 1) se o Brasil seguir os passos da Europa, sim, ele vai sofrer efeitos piores da pandemia que na Ásia ou ficará no mesmo nível da Europa!; 2) discordo de Han no quesito fé na tecnologia para lidar com a pandemia, pois esse discurso faz lembrar o mesmo da chamada Revolução Verde da segunda metade do século XX que era, basicamente, acreditar que a tecnologia salvaria o meio ambiente e era a única alternativa para lidar com a crise ambiental (bem agronegócio essa parada); 3) discordo mais ainda de Han porque existe uma distância entre países desenvolvidos e países subdesenvolvidos e, portanto, como podemos, aqui no Brasil e, mais especificamente, no Nordeste Brasileiro, depositar nossa fé na tecnologia? Han parece nostálgico e até meio “patriota” se visto a partir daqui, do Brasil.
Solidariedade transformadora é a chave, não apenas a de “calor humano”, tão importante, mas não politicamente engajada. Sim, fora Bolsonaro, fora direita, fora neoliberalismo e fora a velha esquerda.
Notas:
1 https://www.instagram.com/gabriel.f.brito/
2 Texto completo sobre Zika e cólera, aceito em um evento de Antropologia da Saúde no ano de 2019: https://www.academia.edu/40235011/Da_c%C3%B3lera_ao_v%C3%ADrus_Zika_notas_sobre_ci%C3%AAncia_e_conhecimento_em_tempos_de_crise
3 Texto do Han: https://brasil.elpais.com/ideas/2020-03-22/o-coronavirus-de-hoje-e-o-mundo-de-amanha-segundo-o-filosofo-byung-chul-han.html
* Fonte da imagem: https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3AANd9GcQNWcKSUol8ykob_JRxPcltHHE5bXlvZl2uHQHvAP_vNrxiokGV