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Foto do escritorJacqueline Gama

Guardando para quando o carnaval chegar?

O nome do filme sugere algo totalmente diferente do que ele propõe. Estou me guardando para quando o carnaval chegar (2019), dirigido por Marcelo Gomes, é um documentário que explicita a realidade da cidade de Toritama, interior de Pernambuco, quando essa torna-se um polo da produção de jeans no estado.


Inicialmente tudo parece um verdadeiro carnaval. Os habitantes de Toritama sentem-se realizados por escolherem sua carga horária de trabalho e terem autonomia em produzir as peças de jeans, inclusive a adesão à produção das peças de roupas com esse material foi tão grande que as garagens e espaços livres das casas se tornaram oficinas de fabricação.


Ainda, no sentido da alegria, é possível perceber pessoas que criam seus próprios conceitos de roupa, nos remetendo a liberdade de um desejo carnavalesco em que a criatividade está pulsante. A mesma alegria se presentifica nas poucas, ou raríssimas pessoas, que conseguiram transformar as pequenas oficinas em verdadeiras empresas de jeans, algo que acima de tudo requer investimento e o pequeno comerciante, ou nesse caso, a pequena empresa, raramente conseguirá alcançar, mas que o capitalismo fará crer que será possível.


Porém, assim como as máscaras e as maquiagens que escondem os rostos dos foliões, nem tudo é tão bonito o quanto parece. Ou como diz o ditado popular: nem tudo que reluz é ouro. Esse é o caso de Toritama. Alguns habitantes revelam rotinas fatigantes, trabalham os três turnos. Entretanto, dizem felizes por estarem tendo a autonomia do trabalho. Sendo seu próprio patrão.


O corpo humano, no entanto, se mostra exausto. Uma das cenas é de um homem dormindo em pleno expediente. Os movimentos repetitivos fazem os dedos dançar, contudo, o passo é o mesmo; assim como sugere uma outra cena em que toca uma música clássica enquanto as mãos costuram uma peça de jeans, repetindo o mesmo movimento com as próximas peças. Caracterizando a alienação do trabalho.


Cada um fica responsável por uma função, produzindo um item que irá compor a peça final. Por exemplo, algumas pessoas fazem apenas bolsos, outras apenas zíperes. No final isso pode ser comprado por uma empresa (maior) que irá construir a roupa jeans (bermuda, calça, macacão, vestido etc.) e venderá em atacado, ou então as roupas serão feitas em quantidade menor, artesanalmente, nas próprios oficinas, sendo vendidas na feira, esse segundo caso é o mais comum.


A concorrência é imensa na feira de Toritama, a qual ocorre uma vez na semana. Nesse dia, pequenos comerciantes de outras localidades viajam para ir à essa feira. Eles buscam roupas a baixo custo para revender. Como a demanda é alta, já que praticamente a cidade toda aderiu a produção do jeans, nem sempre os donos das oficinas conseguem lucrar. Muitos só tiram o dinheiro do mês ou nem isso, uma vez que é preciso pagar os funcionários (que ganham pouco por peça produzida) e arcar com outros custos.


Mesmo nesse contexto, insistem que a fabricação de jeans é uma r(evolução) em Toritama. Um cidadão mais velho, o qual continua morando e trabalhando no campo, discorda dos benefícios das oficinas de jeans para a cidade. Ele fala da mudança da noção do tempo e da perda do contato com a terra. A plantação deu lugar as máquinas de costura e a má alimentação, apresentou o estresse e tudo que uma rotina de trabalho exaustiva, ou desumana, é capaz de proporcionar.


Nesse contexto, o documentário estimula a critica a uberização do trabalho. Essa consiste em receber por quanto produz. Não existindo direitos trabalhistas. Esse fenômeno da contemporaneidade tem abarcado diversas funções. Seja essa fabril – como no filme- ou em outros locais como os: dos motoristas de aplicativos, dos entregadores de comida, dos garçons, dos diaristas e os de outras profissões em que estão ocorrendo os processos de terceirização e desvalorização. Podendo futuramente abarcar médicos, advogados, professores e diversos outras que necessitam uma formação superior.


O fato de não possuir direitos trabalhistas é o ponto que liga essa realidade das fábricas de jeans ao título do filme. Todo ano os habitantes de Toritama saem durante a época do carnaval para as praias de Pernambuco, único momento em que de fato conseguem descansar e se divertirem. Contudo, normalmente não alcançam a meta de guardar dinheiro para esse período. Por não receberem decimo terceiro ou férias remuneradas -benefícios garantidos pela lei trabalhista-, então, como viajam?


Eles fazem pequenos bicos, como construções ou o que aparecer para tentar ganhar um dinheiro extra. Pior, vendem tudo o que tem, à exemplo de televisão, geladeira, sofá e outros objetos domésticos para arcar com os custos de viajar. Ressalto que não é nada luxuoso, longe de Disney ou de uma linda viagem para uma praia paradisíaca do Nordeste.


Para quem mora em uma cidade litorânea percebe que a viagem deles é como ir para a praia mais barata de todas, que não sabemos se a água é contaminada ou não, mas para quem não tem nada estar em um lugar desses será o gozo extremo da alegria, valendo tudo por ele. O próprio nome do filme sugere esse gozo, estou me guardando, remetendo a uma ideia virginal de quem fantasia o prazer futuro. Depois do Carnaval, a rotina volta ao normal em Toritama. E se repetirá nos anos seguintes.


Um normal dentro de uma perspectiva de naturalização e alienação do trabalho, algo que fazemos atualmente. Naturalizar o que nos adoece, normalizando-o por ser algo padrão, por ser o que maioria das pessoas seguem. Nesse sentido é necessário carnavalizar a vida e encarar a fantasia de romper as barreiras da norma, a fim de que o mundo mude e não fiquemos reféns do trabalho e nem do que o sistema quer escolher para nós. Guardar o que para o carnaval quando não há nada? É preciso mostrar os peitos ao invés de só arregaçar as mangas. É preciso radicalizar para mudar. É preciso ter coragem!


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O filme está disponível na rede de streaming Netflix e para compra no youtube e no google play filmes.


Fonte da foto de capa : Vitrine Filmes, retirado do site < https://www.sindbancarios.org.br/wp-content/uploads/2019/07/Estoumeguardandounnamed-708x350.png>

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