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Foto do escritorAlan Rangel

Criminoso até que se prove o contrário! O espírito inquisitório brasileiro


Há em Pindorama um obscuro espírito inquisitório! Desde 2014, com o início da Operação Lava Jato (maior e mais longa operação investigativa sobre corrupção no Brasil conduzida pela Policia Federal) civis, imprensa, militâncias, políticos e funcionários do Estado brasileiro surfaram em uma onda predatória, punitivista, que ultrapassa os alicerces legais da Constituição, leis e códigos do ordenamento jurídico, remontando à sombria época do Tribunal da Santa Inquisição. A referida operação virou um partido, uma entidade, uma espécie de deidade vingativa e idolatrada.


Contra os direitos fundamentais e todas as legalidades prescritas na jurisprudência do Estado de Direito, é impelido um projeto de destruição gradativa na defesa do indivíduo. Foi implantado um estado policialesco, típico de sociedades autocráticas e totalitárias, que incorre em desacordo com o pacto social liberal e democrático.


Tornou-se patológico no país antecipar, de forma ignorante ou mal-intencionada, quem é culpado de um suposto delito, antes mesmo do devido processo legal. A presunção de inocência “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, inscrita no artigo 5° da Constituição Brasileira e no artigo XI da Declaração Universal de Direitos Humanos, é constantemente violada. Se normalizou, no senso comum e incomum, a presunção de culpa, ou seja, a retrógrada visão de que todo investigado é culpado até que se prove o contrário. São tempos que fazem lembrar a perseguição aos “hereges”, contrários aos dogmas e preceitos religiosos.


O espírito inquisitório, vigente em países que não respeitam os direitos individuais, no qual todos deveriam ser tratados como sujeitos e não objetos, persegue e cria bodes expiatórios para atender aos interesses do povo descontente e de minorias raivosas - que pregam por uma justiça a la carte - indo de encontro aos alicerces do humanismo moderno. As pessoas habituaram-se a descarregarem suas mágoas, ressentimentos, recalques contra todos aqueles que são contrários ao seu mundo. Quando a caixa de pandora é aberta toda a bestialidade vem à tona. Infelizmente, a volúpia tem tomado o protagonismo.


A seguinte reflexão deveria ser feita por qualquer pessoa sensata. “Ao olhar o outro que me incomoda, que não se enquadra no meu conceito de vida correto, não vejo-o como um ser menor, sub-humano, sem direitos resguardados? Não me enxergo como superior, incapaz de estar numa situação em que posso ser acusado? Não me colocando no lugar do outro, não estou sendo insensível, conduzido por um temperamento autoritário, uma mentalidade despótica, pautada pelo irracionalismo?”


Uma autoanálise é o mundo ideal. O Brasil vem sendo arrastado por uma vibração deletéria e dissonante que põe em risco os avanços civilizatórios. Estes deveriam prezar pelo respeito às leis, conduzida de forma racional, e não compactuar com comportamentos vingativos, de perseguição política. Há uma certa apologia para atender, cegamente, a uma opinião pública ou multidão sedenta, defensora da tortura e maus-tratos aos presos nas cadeias. Além disso, um masoquismo à espetacularização de investigados e réus com maior visibilidade pública, tendo a enorme corresponsabilidade da mídia tradicional.


Estamos em uma época de incentivo à insegurança jurídica, no qual as leis são deturpadas por aqueles que rechaçam a Democracia e flertam com a instabilidade, o caos e a saída autoritária. Como demonstrado pela Vaza Jato, em conversas vazadas pela Intercept Brasil, procuradores, juízes e promotores atropelaram a Constituição, o código de processo penal e o código de ética da magistratura e do Ministério Público, como fez, por exemplo, Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, com práticas espúrias, incluindo, em muitos casos, tortura psicológica aos presos visando as delações.


Em alguma medida, lavajistas são responsáveis pela anarquia jurídica. Tudo isso é um soco bem dado no Estado de Direito. Mas este golpe não é a causa da nossa desgraça: é sintoma de uma sociedade que não foi educada juridicamente, desdenha a Democracia, o respeito aos pilares fundamentais de liberdade e igualdade, e que não adotou uma aura republicana, a saber, o respeito à coisa pública, e amor ao social.


Nobres leitores, há um nefasto espírito em favor do linchamento público, da espetacularização de prisões preventivas ou temporárias; da ridicularização de investigados e réus; da culpabilidade anterior à sentença; de julgamentos fulanizados e adoração a homens que se veem acima do bem e do mal, venerados como mitos, heróis nacionais, justiceiros e enviados do céu. Tudo isso é efeito de uma cultura que não tolera, ou ignora, a igualdade humana, como princípio e fonte de uma moral laica, que deveria reger a convivência social, combatendo toda forma de intolerância, ódio, crueldade. Uma terra na qual ainda impera o mandonismo e a idolatria populista.


Como disse o filósofo iluminista italiano, Cesare Beccaria, em “Dos Delitos e das Penas”, no século XVIII, noutro contexto, mas que ainda vale aos dias atuais: “nossos costumes e nossas leis retrógradas estão muito distantes das luzes dos povos. Somos ainda dominados pelos preconceitos bárbaros que recebemos como herança de nossos antepassados”. [1]


[1] BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos Delitos e Das Penas. São Paulo: Martin Claret, p.25, 2014.


Fonte da imagem: https://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/482114552/linchamento-como-medida-alternativa-penal-a-barbarie-que-se-instala

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