Por Armando Januário dos Santos (Armando Januário) [1]
Ouvindo uma versão de Pra não dizer que não falei das flores (Geraldo Vandré, 1970, Alemanha), escrevo. A alma inundada de esperança. Nos olhos, pairam as visões dos ancestrais, trazidos pela Grande Consciência Cósmica. Sob os olhares de Lilith, escrevo. Sob a Chama de Semíramis, a deusa da luz invencível, escrevo. Não sou eu quem escreve. É outro. Aquele que habita em mim e está mais perto da realidade imaterial. O Deus que mora em cada um de nós escreve através de mim. Quem tiver discernimento, compreenderá. Ex nihilo nihil fit!
Quinze de maio de dois mil e dezenove passará à história brasileira como o início do contra-ataque ao fascismo, personificado na figura do Presidente da República. Entretanto, antes de descrever os protestos em todo o país – que levaram milhões às ruas – devemos retornar às Jornadas de Junho de 2013. Naquele momento, iniciou-se a arquitetura de uma conspiração de Estado. Sempre esteve claro que não foi por vinte centavos de aumento do transporte em São Paulo. Na altura dos acontecimentos de hoje, então, essa versão caiu totalmente por terra.
As Jornadas foram o embrião do golpe que três anos mais tarde retiraria do Poder Executivo uma então presidenta hoje inocentada em todos os processos que respondeu. Setores da elite brasileira, inconformados com a ascensão social de milhões vindos da miséria, e cientes das fragorosas derrotas que viriam pelo caminho das urnas, decidiram manipular a realidade, através dos meios de comunicação. O resultado foi uma nação dividida psicologicamente: de um lado, cada vez mais naturalizado, o ódio contra minorias sociais. Do outro, a certeza de que estamos vivendo um processo de contínua perseguição às liberdades democráticas, e a tudo que delas faz parte: direitos trabalhistas, previdenciários, soberania nacional e recursos naturais. As eleições de 2018 foram marcadas pela ira. O presidente eleito tomou posse e continua agindo como se estivesse em campanha. Enquanto isso, a economia ostenta péssimos indicadores, o desemprego aumenta e o poder de compra de quem possui um emprego despenca. Nosso país se encontra doente e rumo à falência.
Como se toda essa atmosfera fosse insuficiente para fazer o presidente e sua equipe tomarem rumos para o crescimento do País, o ministro da Educação estabeleceu, no fim de abril, cortes no orçamento de 63 universidades e 38 institutos federais de ensino. Na prática, essa restrição orçamentária poderá desencadear o fim da educação pública no Brasil. Diante disso, hoje, milhões foram às ruas com uma clara mensagem: chega!
O Levante dos Livros, expressão utilizada para as manifestações de hoje, assinala um momento singular na correlação de forças entre as classes sociais no Brasil. Se, por um lado, os setores progressistas até aqui não haviam encontrado uma pauta que unisse a sociedade em torno de uma agenda de lutas contra o avanço do fascismo, o próprio (des)governo logrou êxito em congregar estratos sociais contra si próprio. Ante as medidas atabalhoadas de um presidente e de seus pares, atacar a educação foi o maior ingrediente para que as camadas da sociedade, descontentes com o modus operandi de Bolsonaro se insurgissem contra ele. Quem ascendeu da pobreza deseja adentrar à universidade. A classe média deseja ter seus filhos também em universidades públicas. Os professores se veem ameaçados. Ou seja: com uma medida desvairada, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, colocou o governo como inimigo comum para classe sociais distintas e com interesses diversos.
A resposta do presidente, denominando os manifestantes como “idiotas úteis”, parece demonstrar seu desespero, além de ratificar sua inabilidade em lidar com situações conflitantes. Aliás, o grupo político que governa o país se constitui a partir de conflitos constantes, tanto a partir de declarações preconceituosas contra os adversários, como contra desatinos dentro da sua própria base. Isso já começa a ficar evidente nas péssimas relações entre governo e Congresso Nacional. Enfim, Bolsonaro nunca esteve tão vulnerável.
O Levante dos Livros manifesta também o arrependimento de parte dos eleitores do atual governo. Na verdade, os primeiros cinco meses de governo têm sido emblematicamente pedagógicos em ensinar o grande equívoco do voto no vazio dos discursos e na retórica raivosa, os quais nunca expressaram o mínimo de planejamento para enfrentar a crise econômica na qual o País se encontrava mergulhado desde a era Temer.
Por fim, levantar-se em prol da educação pública representa barrar o projeto de privatização do Ensino Superior. Proporciona a oportunidade de coxinhas e petralhas deixarem de lado as diferenças e lutar por uma causa comum. Mais que isso: pode unificar a sociedade brasileira nas ruas, lutando pela democracia.
[1] Sexólogo. Psicanalista em formação. Concluinte da graduação em Psicologia. Professor de Língua Inglesa. E-mail: armandopsicologia@yahoo.com.br