Ontem à noite, inesperadamente, acabei indo ao show da banda Los Hermanos aqui em Salvador. Aprecio muito as letras e melodias do grupo carioca, que estava há vários anos sem se apresentar, e escolheram exatamente a minha cidade pra começar uma breve turnê. Um privilégio!
O show conseguiu me surpreender e emocionar além de qualquer expectativa que tenha criado durante o meu dia. O motivo não foi somente por ser fã ou pela atmosfera contagiante de todas aquelas pessoas que aguardaram anos para vê-los novamente, leitor.
Não sou crítica de música e nem penso em assumir esta posição neste texto. No entanto, não houve como não atestar que a banda tem uma enorme qualidade ao vivo, tanto na parte vocal e performance, como no instrumental. Era como se estivéssemos ouvindo um disco ou mesmo uma playlist com fone de ouvido. Simplesmente fantástico!
Porém, o ponto que mais me tocou, foi realmente a interpretação dos versos, que serão meu foco neste ensaio. Você pode não gostar muito deles ou ser algo do tipo “nem fede, nem cheira”. Mas continue lendo até o final e entenderá o porquê deu estar trazendo esse tema aqui na minha coluna.
Afinal, sempre escrevo sobre algo relacionado à psicologia e comportamento humano. Sim, se você nunca se atentou pras letras do grupo, não deve ter percebido como têm relação com o nossos pensamentos e emoções. São crônicas que desenham tantas situações que cabem à momentos das nossas vidas, de uma forma brilhante, diria. E vou trazer aqui alguns exemplos, fazendo uma breve análise. Um desafio e tanto, mas para o qual estou muito inspirada hoje.
Sugiro que procure no seu aplicativo as músicas que trarei aqui e as escute com cuidado, ao longo dos comentários ou após ler o texto completo. Sem mais delongas, vamos lá.
Começando por De Onde Vem a Calma. Uma narração que em muitas partes parece confusa. No início, um observador fala desse “cara" muito calmo, num tom de crítica, como se ele estivesse inerte e precisasse fazer uma mudança: “De onde vem a calma daquela cara? Ele não sabe ser melhor, viu?... Ele não sabe ser mais viril?...e às vezes dá como um frio.” Como se ele se pensasse alguém superior.
Mas a canção dá uma virada e começamos a perceber que o eu lirico muda para a primeira pessoa. Uma pessoa que aparenta ser insegura: “ eu sou o que vocês são. Não solta da minha mão”. E a letra finaliza com: "Eu não vou mudar não Eu vou ficar são, não vou ceder (...) e no final, assim, calado, eu sei que vou ser coroado rei de mim."
Acredito que Camelo quis transmitir uma ideia de autoconhecimento, por parte do protagonista. Como se estivesse dialogando consigo mesmo e tenha passado a ter mais autoestima, se permitindo não ser tão afetado pelas críticas dos outros e, principalmente às suas próprias. Por essa razão a frase “rei de mim", traduzindo um entendimento maior de si mesmo.
E o que dizer de O Vencedor? Vemos uma crítica nítida ao perfeccionismo, ao querer estar sempre em primeiro lugar, algo que a longo prazo se torna adoecedor: “...olha lá que os bravos são escravos são e salvos de sofrer. Olha lá quem acha que perder é ser menor na vida.”
Pessoas que não admitem a possibilidade de erro e esquecem que eles nos ensinam tanto: “quem sempre quer vitória e perde a glória de chorar”.
Camelo finaliza com uma frase bem funcional: “Faço o melhor que sou capaz, só pra viver em paz". É algo em que acredito. Ninguém será perfeito, então temos que dar o nosso melhor, mas às vezes vamos fazer o suficientemente bom e está tudo bem nisso. Se torturar por algo ideal é problema na certa.
Já em Sétimo Andar, penso que o intuito foi dissertar de forma bem direta e poética sobre alguém que manteve um relacionamento com uma pessoa que passava por uma depressão ou abuso de substância e que provavelmente cometeu suicídio.
“Alto, aqui do sétimo andar. De longe eu via você e a luz desperdiçada de manhã.” Ao meu ver, Amarante desenhou uma cena de velório, onde o corpo fica à sete palmos do chão.
“O que eu quis foi te proteger do perigo maior que é você (...) E foi difícil ter que te levar àquele lugar. Como é que se diz? Você não quis ficar”. Esse trecho mostra a tentativa de ajudar, levando-a à um hospital psiquiátrico, provavelmente. Traduz o sentimento de impotência de quem está próximo e procura ajudar, mas não sabe como e sofre junto, às vezes até se culpa por não ter feito mais. Essa sensação permeia muitas famílias que passam por isso. O final já vai por um caminho mais espiritual, ao qual não vou me ater.
É uma letra melancólica, como muitas da banda, mas que traz uma carga grande de empatia.
Pra finalizar, vamos de O Velho e o Moço. Uma das minhas favoritas. Essa canção fala de escolhas, na perspectiva de alguém que já passou por muitas coisas e também de quem tem tudo pela frente.
Aborda a forma como nos remoemos por ter ido por um caminho ou agido de determinado jeito, pensando que por outra via teria sido melhor, no trecho “e se eu fosse o primeiro a voltar pra mudar o que eu fiz, quem então agora eu seria?”.
E também da nossa mania de querer prever o que vai acontecer e sofrer com isso: “e se eu for o primeiro a prever e poder desistir do que for dar errado?”
Traz uma mensagem linda, pois a conclusão é de que o que foi feito não tem mais como ser mudado, “tanto faz, e o que não foi, não é” e também que ao fazermos determinada escolha, estamos sujeitos às consequências, uma delas é a pessoa que nos tornamos: “se o que eu sou é também o que eu escolhi ser, aceito a condição.” Com certeza você já passou por isso.
E então, leitor? Espero que a minha breve análise tenha te tocado, como as palavras destas canções me tocam e tenham acrescentado alguma reflexão no seu dia. Sempre me pego pensando no ser humano ao ouvi-las. Sem dúvida, essas 4 foram apenas uma amostra. Se você se identificou, adentre mais na obra dos barbudos cariocas, que não irá se arrepender.