AFETOS EM REDE: Uma breve reflexão sobre relações
- Equipe Soteroprosa
- 27 de fev. de 2019
- 3 min de leitura

Jonathan Cleber de Souza
Logo após a última aula do semestre, me dirigi ao Porto da Barra e fui agraciado com um dos mais belos encontros entre o sol e o mar que já pude presenciar. O pôr do sol derramava tons de vermelho sobre a água, enquanto o deus espinosano exibia-se em seu esplendor. Estava à espera de um amigo, o qual eu não via há um tempo considerável. Entre várias conversas, por vezes desconexas, a imagem romantizada da boemia respirava, entre barulhos humanos e não humanos, misturados ao calor da estação mais sedutora da Roma negra.
Meu amigo e eu conversávamos sobre o papel fundamental das suas relações interpessoais, dos desafios que elas apresentavam, e das recompensas e infortúnios proporcionados pelas mesmas. Segundo ele, “relações exigem esforços artificiais para que se tornem naturais”. Ou seja, para que um novo vínculo possa criar elos mais fortes, e tornar-se potencialmente duradouro, é necessário um esforço que não ocorre naturalmente, mas que exige de nós certo esforço para o cultivo da relação. Inebriado pelas reflexões proporcionadas pelo curso de Teoria Social Alternativa (T.S.A), ainda frescas na minha memória, pensava em Dostoievski, em Sartre, e sobre suas respectivas conclusões acerca da dificuldade de relacionar-se com o outro. Se “o inferno são os outros”, o que isso faz de nós? Inferno. “Vivem em nós inúmeros”, diria Ricardo Reis. Em uma lógica de rede latouriana, nós somos os outros, somos todas as nossas relações.
Em função dessa dificuldade de lidar com o outro, os conflitos tornam-se inevitáveis, traduzindo-se em exercícios de poder. Isso acontece em níveis microfísicos, formando uma rede complexa de indivíduos que se submetem e exercem o poder através das relações, como afirmava Foucault. Poderia falar ainda da dificuldade de relacionar-se não apenas com os outros, mas também com nós mesmos. Uma relação muitas vezes pautada em pequenas ou grandes repressões de desejos, em mentiras que buscam a todo tempo nos justificar, nos enquadrando em padrões que normatizam a forma como experienciamos o mundo. Após a descoberta do inconsciente e da criação da psicanálise, empreendidos por Freud, a terceira ferida narcísica foi aberta; o nosso “eu”, essa ilusão antes tão real e concreta, precisou passar por uma reconfiguração. Foi necessário aprendermos a nos ouvir melhor, a perceber os atos falhos de uma linguagem que não consegue abarcar e traduzir com a eficiência que imaginávamos a nossa forma de sentir a realidade. Desde então buscamos entender melhor o nosso corpo e sua autonomia, essa máquina desejante que se traduz em devir, em movimento. Depois de uma série de experiências e opiniões compartilhadas sobre o assunto consegui chegar a uma sentença que me deixou minimamente satisfeito: Se há um sentido que guie a experiência humana, esse sentido se encontra nas relações. Ao afirmar isso, temi estar caindo em uma metafísica, alvo constante do martelo filosófico nietzschiano.
Mas, longe de estabelecer a relação como um transcendental, como um conceito a priori que simplifica uma realidade complexa, penso na relação como o elo mais íntimo entre o homem e o mundo, o que conecta o homem à sua realidade. Estamos fadados a nos relacionar com o que nos rodeia: seja com nós mesmos e com a forma que o nosso corpo é e está no mundo; seja com os nossos semelhantes, como já afirmava Aristóteles ao postular que o “homem só se realiza na pólis” como ser social; ou ainda com o nosso entorno, buscando entender a nossa relação com a natureza e com a vida nela existente. Criamos as ciências e seus campos para tentar dar conta dos vários tipos de relação: nas ciências humanas buscamos entender o vínculo entre os homens e suas respectivas sociedades, formas de organização política e social, no espaço e no tempo; nas ciências biológicas estuda-se desde a relação entre células e os seus componentes até a importância da interação entre as diversas formas de vida e a natureza para o equilíbrio de um ecossistema. Poderia continuar aqui a tecer uma rede de relações entre o homem e mundo, para no final ainda chegar à conclusão de que talvez, e apenas talvez, o sentido se encontre na própria rede.
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