"Padrão é o padrão" - o que vi de interessante em Maniac
- Sarah Ferraz
- 29 de set. de 2018
- 4 min de leitura
Atualizado: 8 de mai. de 2024
“Hipótese: Todas as almas buscam se conectar. Corolário: Nossas mentes não tem consciência desta busca. Hipótese: Todos os quase mundos importam tanto quanto o mundo em que estamos Corolário: Estes mundos escondidos nos causam grande dor.”
Estamos fadados à dor da não conexão com o outro?
Podemos ter o controle sobre nossa mente?
As coisas fazem sentido?
Devemos evoluir para além do sofrimento?
Que “mundos escondidos” carregamos conosco e interferem no que sentimos e em como reagimos?
A mais nova série da Netflix, que veio ao ar na sexta-feira passada, Maniac, com certeza irá deixar os espectadores um tanto quanto pensativos em relação à essas e muitas outras questões.
Inspirada em uma série norueguesa de mesmo nome, Maniac ganha forma numa Nova York retrô futurista. Um universo paralelo que mistura um quê de anos 80, dotado de impressoras matriciais e computadores de tela verde, com uma atmosfera de ficção científica á la Black Mirror, onde máquinas recolhem os dejetos de cães e os indivíduos contratam pessoas para fingirem que são seus amigos. A produção, criada por Patrick Somerville, traz a direção de Cary Joji Fukunaga (ganhador do Emmy), e aposta num elenco de peso, encabeçado pela queridíssima Emma Stone (ganhadora do Oscar por La La Land) e Jonah Hill (visto frequentemente em comédias hollywoodianas).
Acompanhamos, durante os dez episódios, a história de dois jovens, que por motivos bem diferentes, se propõem a ser cobaias num estudo que tem como objetivo o desenvolvimento do medicamento ABC, que teria o poder de sanar “toda dor desnecessária e ineficiente” do ser humano, tornando obsoleto o atendimento psicoterápico.
Stone dá vida à Annie, que sofre com problemas familiares do passado, dos quais não consegue se recuperar. Para aguentar seu dia a dia, em meio à depressão, ela se vê viciada em uma das drogas testadas pela Neberdine Pharmaceutical Biotech, responsável pelo experimento.
Já Owen, o personagem de Jonah, é o filho desacreditado de uma família rica de Manhatan, por apresentar sintomas psicóticos. O principal deles é uma alucinação de comando, que lhe envia missões a serem cumpridas com o objetivo de salvar a galáxia.
O protagonista vive isolado em seu mundo rotineiro, amedrontado pela possibilidade de não saber distinguir o real do imaginário. E muitas vezes, confesso que também me questionei se o que acontecia na tela era algo real ou se estava dentro de um delírio hiper complexo de Owen.
Os personagens levam os espectadores numa viagem surreal, pelos seus piores momentos de vida, mecanismos de defesa e todo o processo de confrontação gerado pelas pílulas desenvolvidas pelo neuroquímico James (Justin Theroux), que também possui muitas questões mal resolvidas.
Seria possível eliminar nossas dores e entraves através de um simples comprimido e pular as etapas pelas quais necessitamos passar?
Acredito que maioria da sociedade atual gostaria que isso se tornasse uma verdade. Tomar algo que acabasse com seu mal estar, desânimo, ansiedade, angústia, insegurança, etc. Um processo rápido, certeiro e indolor que nos levasse à cura das nossas mazelas interiores.
Talvez por isso, seja tão difícil procurar terapia, ter que se confrontar com suas fraquezas, seu lado difícil de ser, com as coisas que mantemos escondidas até de nós mesmos.
Ao meu ver, Maniac deixa claro, através do seu humor bizarro, por vezes até ridículo, que não podemos fugir do que somos, procurar uma saída mais fácil. É preciso ver de perto nosso lado sombrio para enxergar o outro lado, o lado da capacidade em lidar com tudo isso. O sofrimento é parte da cura.
Para mim, um dos pontos chaves da série é GRTA, o computador que media o experimento. Ao ser acrescentada uma pitada de humanidade em seus circuitos, este acaba desenvolvendo um processo que acarreta vários problemas ao ensaio farmacêutico. Observamos que até este ser de inteligência artificial se vê vulnerável, cheio de sentimentos com os quais não sabe lidar e suplica pela escuta do outro, pela necessidade de entender suas emoções e personalidade.
E será que não é isso que todos nós buscamos? Nos conectar com o outro, conversa toque, calor humano, poder ser ouvido - são ações que estão em extinção nos nossos dias. Talvez grande parte do nosso sofrimento e adoecimento venha dessa forma distorcida de nos relacionarmos ultimamente. Uma fake conexão, de telas, likes e mensagens, não de olhar, abraço e fala.
O seriado acaba se tornando uma grande terapia em grupo, quando cientistas, computador e participantes se expõem como realmente são e se confrontam com esse Eu escondido. Mas acredito que a maior confrontação acontece depois que a pesquisa acaba, quando os personagens voltam à vida normal e têm que lidar com o que fazer após todas as experiências que passaram nos três dias de ensaio.
Penso que na terapia é exatamente assim que funciona: tem-se um momento limitado na semana, onde nos observamos de perto e questionamos tantas coisas, mas o ponto crucial é entre uma sessão e outra, na nossa rotina, quando podemos mudar algo a partir de tudo aquilo que repensamos.
Por fim, acho importante dizer que o primeiro episódio é um tanto quanto confuso, o que pode levar à sua desistência em prosseguir na série, mas se você insistir, pode achar algumas reflexões interessantes e perceberá que a panaceia inicial faz todo sentido na construção do roteiro. Afinal, na nossa mente nem sempre as coisas, à primeira vista, têm um sentido ou são ordenadas. Só com o tempo enxergamos os padrões por trás do que parecia não ter um porquê, concorda, leitor?
Imagem:
https://goo.gl/images/exQwQy