Você já deve ter escutado em algum momento uma frase: “O inferno são os outros".
E é claro que entendeu do que se tratava. É óbvio, não é mesmo? Que o outro é o grande problema!
Muitos entendem esse pensamento de forma literal e ainda acreditam que é uma verdade esta compreensão na sua vida: “Foi culpa dele (a)”; “Se não fosse ela, não teria acontecido isso”; “Sou assim por causa daquilo que meus pais fizeram.”
Temos por predileção colocar o outro como origem do nosso tormento, seja na família, no meio profissional, relacionamentos amorosos, etc. Enfim, basta estar no mundo para direcionar suas dificuldades de vida, apontar o dedo indicador (mesmo que mentalmente) para quem estiver por perto.
Sartre quis dizer isso mesmo?
O curioso é que o que ele queria demonstrar era exatamente o contrário.
O filósofo pensava que o homem vai se tornando quem ele é a partir de suas escolhas, elas o moldam, dão seus contornos. E somos extremamente livres para escolher. Tão livres, que isso nos traz uma enorme angústia, tantas opções de escolha, não é?
O francês também percebeu que nós, homens tão libertos que somos, temos um mecanismo de mentir pra nós mesmos e acharmos que não somos tão livres assim. De que forma? Não estamos sozinhos nesse mundo, e nossas escolhas uma hora ou outra vão se chocar com as desses outros, pois eles também são livres. Isso pode fazer com que acreditemos que a nossa liberdade infinita é diminuída por eles.
Nossa visão do inferno é desencadeada por uma contradição: os outros restringem nossa qualidade de ser autônomo (na nossa visão), não podemos controlar suas ações e escolhas, porém a presença deles na nossa vida é imprescindível.
Quem seriam as testemunhas destas escolhas e do que acabamos por nos tornar? Seria um tanto chato e solitário, não acham?
É bem verdade, que nos incomodamos com esse “espelho” que o outro nos mostra. O seu olhar, a sua forma de nos enxergar, expõe defeitos e fraquezas que varremos pra baixo do tapete, que escondemos até de nós mesmos.
Por isso eles se tornam nosso inferno, nossa receio, nosso desafeto.
Mas será, leitor, que realmente o que nos acontece tem tanta parcela do outro infernal? Não lhe parece que criamos muito dos problemas sozinhos, ou, pelo menos, uma grande parte deles?
A minha linha de pensamento se assemelha bastante com a sartriana, nesse sentido.
Penso que pintamos o nosso quadro, com algumas interferências e pinceladas dos outros, claro! Eles interagem conosco o tempo todo, não tinha como ser diferente. No entanto, o grosso dessa figura que nos tornamos foram de pinceladas nossas. Somos responsáveis por grande parte do que nos acontece.
Mas como assim? Vocês hão de convir que nós nos colocamos nas situações e escolhemos permanecer nelas ou não. Nós somos os senhores da nossa vida, protagonistas dela. O outro é o coadjuvante, necessário, desejado e, por vezes, incômodo. Ele irá interferir de alguma forma, o que pode ser até benéfico. Porém não fará escolhas por você, a não ser que você também escolha que assim seja, deixando todas as decisões da sua vida nas mãos de outrem. O que, ao meu ver, não é viver.
Então, se decidimos os que fazer, que rumo tomar, o que falar, a partir deste ponto, nos tornamos os responsáveis.
O caminho que seguirmos nos trará consequências, boas ou ruins, mas que são pura e completamente nossas.
Como culpar os outros se algo deu errado, se não saiu como eu queria, se me precipitei, se falei o que não devia, se naquela hora vi tal estrada como a melhor a seguir, ...?
Percebem nossa negação?
Não adianta culpar o outro, o universo, Deus, o destino. Se está se passando dessa forma, alguma parcela de responsabilidade você tem!
Isso pode parecer um pouco chocante, radical. E não pretendo que concorde plenamente comigo, leitor. Mas observe se isso não se adequa à sua vida.
Talvez seja necessário deixar escolhas que já não fazem mais sentido pra trás, reavaliá-las. Ou, se perceber que está num bom caminho, que se satisfaz com o que escolheu, manter o seu passo.
O importante é estar consciente como está conduzindo a sua vida. Não colocar uma venda e fazer uni-duni-tê. Depois não adianta sair com dedos indicadores à torto e à direita apontando para os outros. O inferno pode ter sido construído por você e não se deu conta disso.
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