Em homenagem aos 200 anos de nascimento do grande pensador alemão, Karl Marx, a coluna desta semana será dedicada a reflexão sobre um tema, que, ao nosso ver, é a principal preocupação do autor: a desigualdade social. Ao fim do ensaio, problematizamos algumas questões não resolvidas, e que, certamente, nos coloca mais dores de cabeça. Ótima leitura!!
O filósofo alemão, Karl Marx, grande expoente do pensamento crítico moderno, observando a sua época, a condição dos trabalhadores e as mazelas sofridas pelos mais pobres, identificou que o grande problema da sociedade é a desigualdade social. A desigualdade é um ônus, pois enquanto alguns vivem tranquilamente, outros têm que se sacrificar para colocar o pão em casa todo dia. Os primeiros estão no topo da pirâmide social, os últimos na base. A desigualdade social não é natural! Eis a contestação do nosso autor. Reconhecer a desigualdade entre seres humanos, no sentido biológico, dos talentos específicos, não é o mesmo que afirmar a desigualdade social como fenômeno natural. Absolutamente! É construída.
O autor crítica todos aqueles que aceitam que uma minoria da sociedade deve ter poder sobre uma grande maioria. Rejeita a naturalidade desse discurso, e aponta que a raiz da desigualdade social está na propriedade privada: aqueles que desejam sobreviver se submetem a trabalharem para outrem. Conclusão: não estamos muito distantes da vida dos primeiros seres humanos originários da face da terra, que lutavam unicamente pela sobrevivência.
Nas primeiras formas de sociabilidade, a luta pela sobrevivência era compartilhada coletivamente. Depois de algum tempo, essa distribuição em comum saiu do eixo. E este evento histórico impediu a humanidade de saltar da menoridade. Por quê? Para Marx, o ser humano só consegue desenvolver todas as suas potencialidades intrínsecas quando não luta primordialmente para sobreviver. Ou seja, enquanto ele continuar viver só visando a sobrevivência, não será muito diferente de um animal faminto.
A hierarquia social solapou a liberdade humana impedindo-a de alcançar voos maiores. Por isso, a grande maioria dos homens está na menoridade. Aliás, todos, pois mesmo os que estão no topo social guardam um sentimento negativo de superioridade, egoísmo, fato que reprime o desabrochar de um espírito altruísta ou solidário que olhe o outro como sujeito e não como objeto.
Só através de uma ação prática revolucionária – de transformação radical da sociedade - é possível retomar o direção que foi perdida em algum lugar da História. Enquanto houver pessoas assumindo papeis sociais acima das outras, sem importarem-se com vidas alheias, ou vivendo às suas custas, jamais poderá o humano dar um salto evolutivo.
Para o crítico pensador, a religião é um, ou o maior opositor para uma mudança de consciência da humanidade, visando uma luta social definitiva. Por quê? Porque foi uma instituição criada por uma minoria -elite - para manter a massa na sua condição subalterna, prometendo uma vida gloriosa após a morte. O objetivo é a petrificação do status quo, o que significa persistir na desigualdade como um fato normal.
Avancemos mais um degrau. Se, como aponta Marx, é necessário alcançar a verdadeira etapa do progresso humano, que parte de uma transformação radical nas estruturas, com ferro e fogo, como convencer as pessoas de que só é possível ser feliz e ser livre na igualdade social? Tratando de uma sociedade que carrega valores religiosos seculares imbricados na cultura, é preciso convencê-los de que a coisa mais importante da vida não é rezar ou fazer bem ao outro no dia a dia, mas, sim, viver sem ausência de opressão. A vida boa é um prática: “de cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades”.
O comunismo é este não lugar que pode vir a existir. Tudo depende da vontade coletiva. Tal forma de organização social, a autogestão, a ausência da propriedade privada, é capaz de alterar os sentimentos humanos e direcioná-los a uma visão altruísta e igualitária do mundo. A fonte da violência, da intolerância, do medo da morte, do suicídio, da miséria, está na estrutura desigual classista criada a partir da propriedade. Sim, eliminando-a, virtudes superiores poderão ser despertadas do âmago humano, o que pode conduzir a uma vida com preocupações coletivas.
Questões existenciais sobre a vida e a morte são irrelevantes. As angústias individuais sobre o sentido do próprio existir são menores, pois todo questionamento que eu, você, nós possuímos, é fruto de uma construção ideológica no sentido de convencer a todos sobre algo além deste mundo material. Sim, o materialismo marxista é desenvolvido na ideia de que basta ao ser humano viver segundo a necessidade que a realidade física nos apresenta. Não precisamos de Deus e nem do Paraíso; acreditar nessas coisas é sintoma de alienação, de fraqueza infantil.
Em linhas gerais, esse foi o resumo da discussão de desigualdade social em Marx. A seguir, consideramos alguns questionamentos. a) Como afirmar que toda necessidade humana tem base somente em um mundo prático de coisas empíricas? b) Como provar a todas as pessoas de que não existe nada além deste mundo? c) Também, como comprovar que Deus não existe pelos métodos científicos? É provável que mesmo com a extinção das religiões atuais, outras formas podem acabar surgindo. d) Por que só é possível pensar em uma sociedade solidária na igualdade social? e) Será que as pessoas só despertarão "bons sentimentos" onde não houver desigualdade? f) O critério para boas ações está somente ou prioritariamente no tipo de estrutura social? g) Será que a razão é capaz de provar tudo? Inclusive por que o mundo existe ou por que nós existimos? Ou isso não é importante para a vida de cada um? Talvez não fosse para Marx. h) Por que acreditar que as pessoas estarão satisfeitas em um mundo somente composto por compartilhamento de trabalho coletivo - manual e intelectual - e talentos individuais desenvolvidos? Será que as angústias sobre a vida desaparecerão com o fim das ideologias?
Se levamos em total consideração as ideias de Marx, que os problemas da vida têm fonte na desigualdade social, devemos encarar também que, ao reduzi-la à igualdade, estaremos de acordo que, as questões subjetivas - intrínsecas a todos - entrarão no pacote das grandes transformações estruturais. Ou seja, valores, medos, problemas, dúvidas, desejos, angústias são produtos de uma realidade construída objetivamente que, se forem alteradas adequadamente, serão eliminadas da mente das pessoas. Tudo seria fruto da experiência com o mundo.
Caros leitores, sabemos o quão é importante mergulhar nas ideias de Marx. Devemos problematizá-las, pois faz parte da atividade de pensar. É necessário que estejamos abertos a colocar em xeque alguns conceitos, senão corremos o risco de unificá-los com a realidade. Devemos evitar o perigo de apreender toda a realidade através dos conceitos, impondo aos outros como se fosse a verdade legítima.
Até a próxima!!!
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