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Foto do escritorCarlos Henrique Cardoso

"Wild Wild Country" e os conflitos da humanidade



Foi lançado a menos de um mês pela Netflix o documentário ‘Wild Wild Country”, que desvela uma história quase fantástica e que até então era desconhecida por muita gente, sobre a instalação de uma comunidade mística em uma região no estado do Oregon, nos Estados Unidos, no início dos anos 1980. O vídeo expõe através de entrevistas com os envolvidos no episódio uma longa narrativa, dividida em seis capítulos, e com farto material de filmagens da época, sobre os conflitos ocasionados pelos seguidores do guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh e os moradores do pequenino povoado de Antelope.


Seguindo uma cronologia plausível, “Wild Wild Country” aponta como o convívio entre indivíduos que apresentam condutas morais diferenciadas podem transformar um cotidiano tranquilo em uma vida de profundas incertezas. Devido a questões políticas, a doutrina Rajneesh formada na capital da Índia, Nova Deli, muda-se para o oeste norte-americano levando consigo práticas sexuais libertárias, pessoas que deixaram suas vidas urbanas para seguirem o guru, e uma nova vivência comunitária baseada na felicidade, no prazer, e numa mudança radical de costumes em um rancho isolado da América. Porém, há um nítido choque entre esse ideário e o comportamento dos antigos moradores: aposentados que levavam uma vida tranquila, e seguindo os padrões culturais de uma típica comunidade rural americana, apresentando convicções morais baseadas no puritanismo cristão e valores familiares bastante enraizados. O número de forasteiros cresce, a comunidade se expande, até que conseguem estabelecer a cidade de Rajneeshpuram, com estabelecimentos próprios, um aeroporto e até prefeito.


À medida que os confrontos vão surgindo, a convivência vai se tornando um caso de polícia, investigações federais, intrigas, acusações, traições, e principalmente, questionamentos sobre o que significa lealdade, respeito, dignidade, e compaixão. A conclusão nos impele a fazer reflexões sobre o sentido de lutas políticas, adesão a novas filosofias, e o limite de nossas ações para mantermos uma causa viva.


Mas nos mostra outro lado. Se ao terminarmos de assistir o documentário entendemos as razões dos moradores “originais” de Antelope em se preocuparem com o surgimento de um novo corpo social com valores antagônicos aos seus, nos faz ponderar sobre diversos outros fatos semelhantes não só através da história, mas também bem próximo de nós. Instalações de industrias nas proximidades de assentamentos agrícolas familiares; de agronegócios gigantescos ao lado de reservas indígenas; de empreendimentos de luxo ao lado de comunidades carentes; e até mesmo bases militares em territórios historicamente habitados por descendentes de escravos. O último caso aconteceu nos arredores de Salvador, quando uma base da Marinha foi construída nos limites do Quilombo Rio dos Macacos, gerando transtornos aos antigos moradores que protestaram a respeito de intervenções que os militares estariam impondo a eles, como horário de entrada e saída. Agentes públicos e da justiça tiveram que negociar acordos para que fosse estabelecido o mínimo de convivência. E o que falar da expansão territorial no nosso país que levou ao genocídio de povos indígenas e silvícolas? Do cruel extermínio do Arraial do Belo Monte, na conhecida “Guerra de Canudos”? De ataques constantes a terreiros de candomblé? No próprio documentário é citado, mesmo que rapidamente, a formação da sociedade norte-americana que custou a vida de índios, negros, segregação racial, supremacia branca, e outras opressões a minorias étnicas, pautadas também em vínculos territoriais que causaram expansão de modelos distintos às antigas populações lá fincadas e que causaram sua extinção ou desaparecimento. E muitos desses acontecimentos sem nenhuma vizinhança ameaçadora! Embora a película apresente atitudes nada recomendáveis para quem pleiteia uma sociedade justa como queriam os Rajneeshs, é de se pensar que em muitas vezes a questão não é de quem está correto numa posição de choque entre segmentos opostos. E sim quem está do lado mais forte da corda e nela pode se equilibrar com certa comodidade de que ela, no fim das contas, vai partir primeiro no lado mais fraco.

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