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Foto do escritorAlan Rangel

Sócrates, Fédon e a transmigração da alma

Soteroproseandos, hoje falaremos de uma obra pouco lida fora dos círculos filosóficos, Fédon ou Da Alma, de Platão. É aqui que o filósofo grego fala da transmigração da alma. Por vezes citarei Sócrates e Platão quase como a mesma pessoa. Espero que a breve exposição incite o leitor a procurar maiores aprofundamentos.


O diálogo começa entre Fédon e Equécrates, sobre a última conversa de Sócrates com seus pupilos. A personagem principal, mais uma vez, é o mestre de Platão, que provavelmente estava presente na roda filosófica. Não entrarei na eterna discussão se Sócrates existiu ou não. Não é nosso foco.


Prestes a beber o veneno que ceifará sua existência, o nosso sábio grego conversa com seus discípulos e lhes explica que a morte não é o fim, não havendo razões para temê-la. Para explicar essa afirmação, Sócrates mostra, de maneira simples, que todas as coisas são geradas por pares de contrários. O contrário do sono é a vigília; o contrário do justo é o injusto, dai por diante. A consequência lógica é de que um é gerado a partir do outro. Quem acorda estava adormecido; quem adormeceu é porque estava acordado. O mesmo acontece com a vida e a morte. Quem está vivo é porque esteve morto; quem está morto é porque esteve vivo. Eis a explicação dual para considerar que a alma é anterior à própria existência. A conclusão é de que os vivos são gerados a partir dos mortos, tal como estes a partir dos vivos. Essas almas existem no Hades, o mundo dos mortos.


A preexistência da alma dota o homem, aprioristicamente, de conhecimento. O filósofo acredita que a prova desse aparato é a capacidade das pessoas de perceberem o semelhante e o dessemelhante. Todos nascemos portando atributos comparativos; é a capacidade de associar as coisas a algo em si, perfeito, ele mesmo, a realidade essencial. Há o nobre, o bom, o justo, arquétipos verdadeiros do próprio Ser. O ímpeto para comparar as coisas a algo mais próximo ao em si, seria prova suficiente para confirmar a tese de que lembramos de algo e queremos despertá-lo através da experiência. Em outras palavras, acordar para um conhecimento que já existe em nós mesmos. A essência precede a existência, e esta é somente uma transição necessária para o desenvolvimento espiritual. Portanto, para Platão, a consciência é superior a matéria, e o corpo um veículo - diga-se necessário - para elevação da alma, sendo este o guia.


Assim como existe o mundo visível, necessariamente existe o invisível: a alma representa este, o corpo aquele. Só é possível percorrer a senda do conhecimento verdadeiro com a grandeza do trabalho filosófico, a busca do autodomínio, o controle sobre o corpo, das suas paixões e apetites vãs. Se alma é imortal e invisível, ela só pode governar o corpo, pois este padece, é transitório, ilusório, se dissolve e se decompõe. É tarefa do homem esclarecido, aquele que busca a sabedoria em uma vida refletida, treinar para a morte; quer dizer, não temê-la, pois o conhecimento intuído durante a existência o leva a acreditar de que a ela não é o fim, mas uma transição, havendo propósitos muito maiores do que acredita o senso comum. Mas se durante a vida, a alma foi maculada pela concupiscência, pelos prazeres e apetites do corpo, além do necessário para a sobrevivência, vagará pelos monumentos e sepulcros, com aparências horrivelmente sombrias.


Na metempsicose (passagem de um corpo para outro) defendida por Socrátes, as almas dos indivíduos que cometeram atos violentos, tirânicos, brutos correm risco de serem transmigrados para corpos de animais. Outros, ainda, sofrerão no Tártaro (caos, abismo) até tomarem consciência dos atos imundos cometidos durante a existência.


O percurso da alma é transcender as ilusões da matéria e “enxergar” o verdadeiro, o que está por trás de tudo, ou seja, a essência divina. O caminho não é apegar-se a este mundo, mas livrar-se de suas tentações; isto só é possível se todas as nossas ações forem projetadas para um sentido maior, a saber, a perfeição, e a consequente quebra do ciclo das encarnações.


Sócrates nos apresenta a figura do daimon, que seria uma espécie de protetor ou guia que segue a alma, sendo que, após a morte, ele acompanha-a ao local específico do Hades, de acordo com seu julgamento, punições ou recompensas balizadas. Aqueles que viveram uma existência completamente purificada, ou que alcançaram a verdadeira maestria, o domínio sobre a vida, continuarão no caminho ascensional, rumo à perfeição, sem precisar retornar à matéria.


É certo que Platão era iniciado nos Mistérios Maiores: grupos seletos, esotéricos, no qual os membros possuíam conhecimentos secretos sobre a vida e a morte, não compartilhadas com o vulgo. Há várias partes na obra que parecem ser informações veladas.


Nobres leitores, Fédon é uma obra que vale a pena ser lida, pois é possível conhecer muito sobre as ideias do filósofo contidas em outras obras. Além disso, podemos fazer várias analogias com as tradições religiosas, filosóficas ou místicas como o neoplatonismo, gnosticismo cristão, budismo, espiritismo, taoísmo, maçonaria, teosofia, rosacrucianismo.


Até a próxima!!!




Referência

PLATÃO. Diálogos: O Banquete – Fédon – Sofista – Político (Coleção os Pensadores). 5ª ed. São Paulo: Nova Cultural. 1991.


Link da imagem: https://www.infoescola.com/filosofos/platao/







Até a próxima!!!

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