Charge do Alpino, reproduzida do portal Tribuna da Internet.
“Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais? ”. Essa frase, que se referia ao julgamento do Habeas Corpus do ex-presidente Lula, bem que poderia ser dita por qualquer político contrário à concessão do benefício, ou até mesmo por um de nós, meros mortais, que assistem aos capítulos da novela que virou a vida política do nosso país. Mas não foi. Trata-se da expressão do mais alto comandante de uma das Forças Armadas.
A mensagem foi publicada no Twitter na semana passada, dia 3, pelo comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Em seguida, ele afirma que Exército “julga compartilhar” com todos “os cidadãos de bem”, o “repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais. ” (eu não sei você, mas tenho calafrios quando alguém fala nesses “cidadãos de bem”). Bastou o comandante publicar essas mensagens, para que prontamente outros militares expressarem apoio. Tais declarações fizeram a alegria dos que não escondem o sorrido ao ouvir o termo “intervenção militar”. Convém combate-los.
Os militares, principalmente o Exército, sempre estiveram presentes na vida política do Brasil, principalmente em nosso período republicano, onde o ponto alto foi a ditadura civil-militar, que começou em 1964 e só foi definitivamente sepultada com a Constituição de 1988, que consolidou o papel das Forças Armadas como subordinadas à própria Carta Magna e ao poder civil (quem tem dúvidas, só ler o artigo 142 da Constituição Federal). Desde então, mantiveram-se com a discrição necessária, afinal, se o Estado se define pelo monopólio legítimo da força, seu braço armado não pode andar por aí palpitando sobre a política no país.
Porém, desde o final do segundo e inacabado governo Dilma Rousseff, podemos notar vez e outra militares “saindo da casinha”. Quem não lembra do general Mourão, que andou falando demais sobre Dilma e também sobre o governo Temer? Para além dessas atitudes inapropriadas, o que preocupa é que tais ações se casam com a expectativa mais ou menos disseminada (e ainda minoritária, assim espero) no país de que, frente ao cenário de crise política com os escândalos de corrupção, apenas os militares poderiam fazer a cirurgia e retirar o tumor instalado no país. Está aí uma mistificação que convém desmascarar.
A impressão de que o regime militar foi superior ao seu sucesso civil, em geral, decorre basicamente de três aspectos: um de ordem econômica, outro de ordem de segurança e o terceiro de ordem ética. Como o espaço é curto, ainda retornarei ao tema, prometo. O que poucos lembram a barafunda que foi o final do governo do general João Baptista Figueiredo, com insubordinação de militares que culminou com o atentado no Riocentro, em que após o governo pôr a culpa esquerda, afirmou-se em seguida que havia indícios de que “foi gente do nosso lado”. O capitão, envolvido no atentado e que chegou a coronel, jamais foi repreendido. Mas o general Figueiredo posava de altivo cavalariano. Se é grave ministros do STF batendo boca como dois vizinhos, imagina o que significa militares agindo por contra própria à revelia de seus superiores? Para um conservador como eu, inadmissível. Definitivamente, não é por aí que as coisas devem ir.
Se militares, enquanto tais, estão se dando ao direito de emitir opinião, é porque parece faltar autoridade moral aos três poderes para evitar críticas de quem sequer deve participar da política. Quando o general Mourão insinuou que se não resolvem a crise política, “resolveriam” eles, a primeira atitude deveria ter sido o seu afastamento e retratamento sumário. Mas seria esperar muito de um governo que se sustenta em precário fio de legitimidade junto à classe política. Colocou-se panos quentes e fingiu-se que nada ocorreu.
Se a história serve como referência, como nos ensinou o ilustre florentino Nicolau Maquiavel, aí vai um caso emblemático: em janeiro de 1976, encontraram o metalúrgico Manoel Fiel Filho morto em sua cela por “enforcamento”. Meses antes, também por “enforcamento”, morrera o jornalista Vladmir Herzog. Convencido de que os “incidentes” eram um desafio à sua autoridade, então presidente general Ernesto Geisel defenestrou sumariamente o comandante do 2º Exército no dia seguinte, mostrando quem mandava. Mas não vivemos em tempos em que impera a altivez Geisel, mas sim a bravata de pantomima de Figueiredo. O resultado está aí.
A atual crise política que vivemos, ainda que seja grave e leve nosso barco para uma tempestade de incertezas, não autoriza os militares a proporem solução alguma. Quem diz ser a favor de intervenção militar soa como um feiticeiro que não sabe os efeitos de sua feitiçaria, mas mesmo assim a conjura. Ignorando a própria história. Mais do que isso, é admite em alto e bom som a infantilidade política em que parece vegetar a nossa sociedade, sempre ansiosa por tutela. Tal espírito deve ser exorcizado do nosso tempo.
Ao invés de se assumirmos a tarefa de criar soluções para o país pela política, prefere-se a solução cômoda e preguiçosa de se entregar o poder para os militares, para que eles façam um trabalho que deveria ser nosso. Os que gastam tempo e energia regurgitando bobagens e adorando os militares tal qual um bezerro de ouro, porque não procuram apresentar propostas que, pela política e pela Constituição, ajudem o país a sair desse atoleiro moral?
Como todo o cuidado é pouco, é importante frisar: não se quer aqui atacar algumas das mais importantes instituições do nosso país. Eu, que já vesti o verde-oliva, tenho o maior respeito e sei da relevância que as Forças Armadas têm para a manutenção da nossa segurança, além da garantia da paz, como ocorreu na missão da ONU no Haiti, encerrada há algum tempo. E por isso mesmo não vejo contradição em minhas palavras: os militares ajudam o país dentro das casernas, não no Congresso Nacional. Para os que desejam alterar a política, que abandonem a farda e coturno para adentrar no terreno da política, onde é o convencimento e não força que decide os rumos.
Cabe aqui fazer um emendo ao meu argumento: ainda que alguns militares estejam causando desconforto com declarações em público, há os que parecem ter adotado o caminho da prudência, como o comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Nivaldo Luiz Rossato. O próprio general Villas Bôas, durante o processo de impeachment de Dilma, reafirmara a obediência à Constituição, se recusando a participar de feitçarias da esquerda. Pois bem, creio que a discrição devesse constar como imperativo a quem tem o controle das armas.
Que os generais ignorem as vivandeiras e deixem a tarefa de operar a política nas mãos de quem realmente deve fazê-lo: as nossas. A história brasileira é recheada de interrupções do processo democrático e creio que não seja o caso de reitera-la com mais um. Aos que flertam com a ideia de resolver nossos problemas políticos com os militares, tomem e conselho de Nelson Rodrigues aos jovens como máxima, “envelheçam” e parem de querer transferir nossa responsabilidade aos quarteis.
Chega de tutela das baionetas.