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Foto do escritorThiago Araujo Pinho

O FEMINISMO LACANIANO E A MULHER ALÉM DA REPRESENTAÇÃO: O vácuo no signo como potencial revolucionár


“O que é a mulher?” Pergunta um metafísico, esperando talvez alguma definição, algum predicado, até mesmo algum rótulo. Independente da resposta, o importante é preencher a lacuna, não é? O verbo “ser” é um verbo meio inseguro, do tipo carente, e por isso procura sempre um companheiro, um complemento, ao menos foi assim que aprendi, desde criança. “A banana É amarela”, “O Carro É azul”, “A casa É feia”, e assim por diante. Quando se entra em um curso universitário, especialmente de humanas, já adultos, apesar de toda maturidade, continuamos nessa trilha, arrastando a mesma estrutura infantil de pensamento. O conteúdo muda, ganha tons filosóficos, políticos, teóricos, mas os encadeamentos seguem um mesmo ritmo, a mesma linha de raciocínio... É PRECISO DEFINIR!!!!!


Depois de atravessar um corredor longo, cheio de portas, além de quadros antigos pendurados na parede, você se depara com uma placa de bronze com a seguinte inscrição:


“A mulher não tem registro no simbólico, não está inscrita na linguagem de nenhuma forma, ou seja, a mulher, ‘lacanianamente’ falando, não existe”.


No primeiro olhar, dúvida, no segundo, raiva, já no terceiro, indignação. Com o ódio percorrendo cada fibra do seu corpo, você diz em voz baixa, completamente indignado: “Somente um machista nega a existência da mulher, nega o seu papel no interior da linguagem e em toda a cultura, de um modo geral. Como assim ela não existe?... absurdo!!!”. De repente, ao seu lado, uma mulher se aproxima, para, olha a mesma placa de bronze, e diz: “Genial, não é?!!” Depois de alguns minutos de conversa, você passa a entender o verdadeiro significado daquela inscrição, não sendo apenas diferente do que imaginava, mas o oposto. A não entrada no simbólico, na linguagem, ao invés de ser uma espécie de bloqueio, apenas um pretexto de exclusão, acaba se transformando na arma mais poderosa no interior do feminismo contemporâneo. Esse é o nosso objetivo de hoje, nessas linhas: entender um pouco os contornos de um possível feminismo lacaniano.


Ao longo da história, muitas formas de sofrimento atravessaram o caminho das mulheres, desde as mais corporais, até as mais sutis, embora uma delas, sem dúvida, ganhe destaque, sendo inclusive o suporte de todas as outras, a mais radical, ao menos segundo Simone de Beavouir. Ao contrário do que muitos pensam, a mulher não sofre por ser um objeto, um produto, ou um simples meio do desejo masculino. O argumento é muito mais profundo, e complexo, do que muitos poderiam imaginar. O real problema, aquele que fundamenta todos os demais, é a própria indefinição, o vácuo identitário. Começando por uma “princesa” assexual, quando jovem, passando por um objeto de desejo, quando madura, e se transformando em uma senhora sabia, quando idosa. Essa oscilação é uma fonte de sofrimento contínuo, uma angustia que acompanha o percurso da mulher até o fim, embora esse mesmo sofrimento acabe se transformando em algo positivo nesses últimos tempos, por mais estranho que isso pareça.


Aquela angustia, aquela falta, representada no século XIX pela histeria, ganha aqui um novo contorno, convertendo a tese em antítese, a fraqueza em virtude, o incômodo em incentivo. O obstáculo se transforma na própria condição da luta, em um terreno politico, e da crítica, em um terreno epistemológico. A mulher percebe a si mesma, agora, não como essência, mas como excesso, como um campo de possibilidades, algo além da própria representação. Não sendo inscrita no simbólico, na linguagem, ela ameaça qualquer estrutura discursiva, qualquer encadeamento conveniente, gerando uma espécie de mais valia, uma pura resistência. Ela é aquilo que não pode ser nomeado, ela é o próprio Real lacaniano. Não sendo nada, ela pode ser qualquer coisa.


Para um vitalista como Badiou, o comunismo é o Real do capitalismo, aquele excesso que compromete toda narrativa conveniente, toda história sobre mérito e conquista, sendo um tipo de mancha no tecido branco da ideologia. Se o capitalismo é o rei tolo, desfilando sem roupa por entre a multidão, o comunismo seria o garoto ingênuo que aponta e grita “O rei está nú”. O feminismo, nesse sentido, não é bem o garoto, mas a garota que grita “O homem está nú”, implodindo assim a própria linguagem, ao quebrar toda sua conveniência, toda sua estrutura machista.


A estratégia do feminismo lacaniano não é contrapor o discurso machista com outra coisa, com outro discurso, mas o implodir, deixando o espaço em aberto, sem fronteiras, sem definições. A ideia não é trocar um transcendental por outro, diria Deleuze, ou seja, a proposta não é substituir uma definição por outra, um rotulo por outro rotulo, ao contrario. A linguagem precisa ser descentrada, garantido aos indivíduos uma plasticidade interessante, apesar de também arriscada.


Abraçar a indefinição não é algo tão agradável como alguns poderiam imaginar. Primeiro, porque definir é sempre conveniente, é quase uma resposta natural diante de problemas e confrontos. Segundo, a angustia é uma resultante óbvia, sempre lançando dúvida e risco dentro das experiências. Apesar desses efeitos colaterais, a postura descentrada do feminismo lacaniano é o caminho mais prudente, e mais maduro, ao menos quando você pensa em um mundo plural, complexo e rico como o nosso. Ao recorrer não a um embate, mas a um método, o feminismo lacaniano vai até onde muitas não foram, ultrapassando os limites dos insultos, do ressentimento e da circularidade de temas. “O que é uma mulher?” Pergunta o metafísico. “Ela não É”, responde a feminista.


Referência da Imagem:


https://www.google.com.br/search?q=feminismo&client=firefox-b&dcr=0&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwiOgpybuu7ZAhVIUZAKHTG_ApYQ_AUICigB&biw=1366&bih=631#imgrc=p-zdly35AhJUkM:

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