Clementine e Winston Churchill. Cena do filme. Crédito: Cineset
Pretendo dessa vez falar sobre um filme que assisti há alguns dias e que creio merecer uma reflexão mais detida. De antemão, deixo claro que eu não sou um especialista e a análise sobre maquiagem, câmera e outros aspectos passará batido. Logo, tenham paciência com o texto e espero que ele seja útil de alguma forma. Para os que não foram curtir a folia momesca, tá aí uma boa pedida.
O filme que eu gostaria de falar é O Destino de uma Nação (Darkest Hour), lançado ano passado e que estreou dia 11 do mês passado. Basicamente ele narra as quatro primeiras semanas que sucedem a posse de Winston Churchill como Primeiro-Ministro (PM) da Inglaterra em 1940, quando as forças de Der Führer, Adolf Hitler, pulverizavam as frágeis defesas francesas e avançava rapidamente pelo resto da Europa.
Em um momento em que pedia a união de todos os partidos, o então PM Neville Chamberlain, que não tinha a confiança para seguir, demite-se e Churchill é chamado para assumir o seu lugar. Porém, além da situação adversa, ele ainda terá que encarar a resistência de membros do próprio partido, que viam com bons olhos um acordo com a Alemanha nazista, algo que Churchill era contra. No entanto, com o desenrolar da guerra, o próprio não demonstra tanta certeza sobre suas convicções.
Um dos trunfos do diretor Joe Wright e do roteirista Anthony McCarten é justamente mostrar personagem histórica sob outro ângulo, desmistificando o héroi dos discursos memoráveis, mas levar às telas um Churchill reticente, em certos momentos assustado descrente de um desfecho favorável. Através da atuação memorável de Gary Oldman, atuação essa que o candidata ao Oscar, é possível ter contato com um homem como qualquer outro, com seus medos, seus dramas e vícios, em um momento em que o peso do destino de um país estava em seus ombros.
Um dos pontos altos do filme é mostrar a ação nos bastidores de Halifax (membro do partido de Churchill e postulante ao cargo de PM) e Chamberlain, que cabalavam em segredo um pacto para que a Inglaterra fosse poupada de uma provável aniquilação. Caso tivessem sido bem-sucedidos, talvez essa feitiçaria tivesse alterado irrevogavelmente o mundo que hoje conhecemos.
Creio que também merece destaque a atuação de mais duas personagens, que a meu ver, são importantíssimas para o desenrolar da trama e na relação com Churchill: o rei Jorge VI, vivido pelo australiano Ben Mendelsohn, e sua esposa Clementine, interpretada pela atriz Kristin Scott Thomas. Enquanto Churchill encontrava na companheira apoio e incentivo para continuar na sua tarefa, a relação com o monarca se mostra tensa e de desconfiança. Vale a pena conferir como tais relações encontram seu desfecho.
Ainda sobre Clementine Hozier, é interessante destacar a sua participação nesse momento histórico, se não de forma direta, como uma referência para o político mais importante da Europa, que naquele momento não passava demonstrava ter condições de levar adiante seus planos.
Permitam-me um breve parêntese. Embora uma grande amiga tenha torcido o nariz sobre meu comentário acerca do “suporte” dado por Clementine à Churchill, acredito que talvez tenha me expressado mal: a meu ver, ela foi uma base, um alicerce para alguém que tinha nas mãos o futuro de um país inteiro. Embora a história como a conhecemos ainda negligencie a importância das mulheres nos grandes eventos, creio que nesse caso, Churchill não seria grande como foi ter sua companheira como base. E até onde sei, nenhum monumento é erguido sem ter uma base, uma referência. Para quem conferiu o filme O Jovem Marx (Le Jeune Marx), é evidente a contribuição de Jenny von Westphalen e Mary Burns produção intelectual de Engels e Marx. Na esperança de ter feito aqui o mea culpa sobre o comentário mal formulado, sigo em frente.
Além da atuação memorável dos atores, creio que um dos grandes motivos para se assistir O Destino de uma Nação – e conhecer um pouco mais sobre esse momento crítico – é recordarmos da importância da defesa de valores, ainda que nos pareçam muito nos custar. Enquanto assistia a Churchill resistir à pressão para fazer um “acordo de paz” com Hitler, lembra-me de Rosa Parks, que no auge do conflito racial norte-americano, se recusou a ceder o lugar a uma pessoa branca no ônibus. Cabe lembrar que por menos, muitos negros foram enforcados. A brava ação de Parks foi o estopim de uma resistência importantíssima para a luta dos movimentos civis, que provavelmente teria sido outra se ela não tivesse “apenas” aceitado se submeter à opressão monstruosa da discriminação.
Talvez seja essa a grande lição subjacente no filme: descortinar um Churchill muito mais próximo dos mortais que das lendas, atônito em meio ao cenário hostil, mas que mesmo assim encontrou alento para continuar a defender suas convicções.
Em tempos onde cada vez nos sentimos impotentes frente aos absurdos e descrentes em defender o que achamos a ser o certo, Wright tem a capacidade nos fazer experimentar, por meio de Churchill, uma breve catarse do grande carro de Jagrená[1] que se tornou o mundo que vivemos e que estamos inexoravelmente atados. Para mim, muito mais que catarse, um indicativo. Ainda vale a pena lutar pelo que se acredita.
P.S: Para quem quiser, alguns discursos de Churchill estão disponíveis. Como forma de incentivo, aí vai um trecho que aparece no filme e dos que mais gosto, proferido em 4 de junho de 1940. Ei-lo:
[1] Carro construído em homenagem à divindade hindu Jagrená, que em sua trajetória, atropela os devotos que se expõem durante a procissão. É utilizado como metáfora pelo sociólogo inglês Anthony Giddens para explicar a modernidade.