top of page
Foto do escritorCarlos Henrique Cardoso

Carnaval de Salvador em risco: risco pra quem?


A notícia de que haverá um baixo número de blocos desfilando nesse carnaval de 2018 pode ter deixado muita gente surpresa. Na quinta-feira mesmo, nenhum deles desfilará – o que fez com que a prefeitura remanejasse a apresentação do Furdunço para esse dia, para a festividade não ficar esvaziada (pergunta: nem “Os Mascarados” vai à rua?). Na terça-feira serão apenas três blocos. A principal explicação para isso seria a crise que atingiu essas agremiações. O ano passado também registrou uma baixa significativa dos desfiles nos circuitos principais. Tem proprietário de bloco falando que isso “coloca o carnaval em risco”. Risco pra quem? Coloquei a deixa da notícia para falar um pouco do nosso carnaval e suas perspectivas.


Já vou logo adiantando que vejo de forma positiva o declínio dos blocos. Não, não torço pra que os blocos desapareçam e vivam na mingua. Mas pelo histórico dos últimos anos, era preciso desafogar a folia de tanta massificação de um sem número de blocos. Éramos uma fábrica de abadás sem limites! Na primeira década do ano 2000 aumentou significativamente o número dessas entidades. Eram milhares de pessoas ocupando o espaço público ostentando camisetas que eram adquiridas por preços consideráveis, puxados por artistas que viviam a consolidação da chamada Axé Music. E era só isso. Seis dias de trios e blocos, blocos e trios percorrendo as ruas com camarotes se reproduzindo aos montes, a cada ano, e ocupando cada espaço aos borbotões. As outras manifestações carnavalescas ficavam invisibilizadas. O que interessava era uns privilegiados mandando beijos a esmo e a grande massa espremida e sujeita a tumultos e empurrões.


E o que falar do passado deles? Não foram poucas denúncias a respeito da discriminação de grandes blocos que solicitavam foto e bairro de origem do associado, num claro intuito de menosprezar aqueles mais humildes. Esse fato histórico e vergonhoso não é responsável pela derrocada, porém, espero que ninguém sinta falta dessas agremiações esnobes.


À medida que esses blocos foram diminuindo, o povão foi tomando espaço, os trios independentes ganharam maior autonomia, e outras atividades do carnaval conquistaram interesse. O que era uma festividade comandada exclusivamente pelo poder econômico (ainda é, mas com outros direcionamentos) numa levada estilo “mão invisível” onde quem podia mais chorava menos, passou a apresentar a sua diversidade e uma razoável distribuição do público por diversos setores dos circuitos. Nos últimos três anos, qualquer folião poderia curtir os sete dias de festa em um local ou circunstância diferente: fanfarras na Barra na quarta; grupos de samba na Avenida Sete na quinta; Furdunço na sexta no Campo Grande; saída do Ilê Aiyê no sábado; carnaval do Pelô no domingo; Mudança do Garcia na segunda; e apreciar os trios em Ondina na terça. Tudo para diferenciar e agir em desacordo com o que minha geração fez durante muitos carnavais: passar seis dias no mesmo lugar e vendo as mesmas atrações.


O modelo consumado na primeira década do ano 2000 gerou uma famosa frase que dizia que “o carnaval em Salvador não é democrático”. Errado. Exemplifiquei acima o que um folião pode curtir em cada dia de festa. Isso é democracia, uma cartilha de opções de escolha. A frase era baseada, no entanto, na pouca disponibilidade financeira de uma maioria que não podia pagar por um abadá. Mas isso não diz respeito à prática democrática. Isso se caracteriza pela injustiça. O carnaval de Salvador é injusto. Assim como injusta é a cidade, uma metrópole com graves problemas sociais e uma desigualdade racial gritante que se reflete na folia de Momo. E até nisso o declínio de blocos consegue amenizar esse cenário revoltante: sem cordas, o limite segregacionista do bloco não provoca o afastamento brutal das pessoas pelo limite financeiro do abadá. E também reduz em número a figura do cordeiro – um indivíduo extremamente mal remunerado, contratado para fazer a segurança de quem o ano todo lhe maltrata.


Mas quem diz que a crise é financeira, não percebe a crise de nossa música. A Axé não se renovou. Os blocos encheram as turras de dinheiro, mas investiram no futuro de quem? A saturação de um modelo e a repetição do ritmo se exauriu e os nomes que surgiram não foram se sustentando. Isso é sinal de decadência? Acho mais que é sinal de abandono. Não havendo união artística, a produção não foi planejada e ficou ao sabor dos ventos. Mesmo assim, ressalto nomes importantes que tentam levar o ritmo com boas composições – a exemplo de Saulo Fernandes e Jau (apesar deste último não ser adepto do trio). A BaianaSystem não é necessariamente um nome do estilo, mas não deixa de ter um repertório com grande potencial carnavalesco. Não sendo especialista em música, deixo aqui apenas a percepção de quem é um observador e um estudioso do carnaval.


E o trio elétrico? Voltará a ser o grande destaque? Porque com os blocos puxados por artistas de renome, ele ficou de coadjuvante. Em décadas passadas, ele aparecia para arrastar multidões quem nem sabiam e nem ligavam para quem estava tocando em cima dele. Dificilmente essa situação se repetirá, mas o famoso caminhão não deve virar e poderá ser visto com outros olhares, agora que ele navega pela rua sem a pressão de conduzir uma gente “qualificada” ao seu redor. Agora é ele e “a pipoca”.


Ainda estão presentes os camarotes – espaços erguidos para quem deseja apreciar do alto o povaréu lá embaixo. Uma tendência apresentada nos últimos anos faz com que vários artistas se voltem para esses locais, tocando para quem pode usufruir de open bar e outras benesses. Há quem diga até que os camarotes reproduzem exatamente os antigos clubes carnavalescos de outrora, com as elites curtindo longe das multidões seu carnaval privado. Sim, é verdade. Mas se viram as costas para o povo, cabe ao povo virar de frente pro trio, pra bandinha, pro palco, pra rua, soltar a franga e vestir a fantasia. Se não pode vencê-los, se afaste deles. Se o carnaval se deixava levar pelos desígnios do mercado, que a queda brusca dos blocos mostre que os desígnios da rua são levados pelo folião pipoca. Quem está em risco mesmo?


FONTES:


IMAGEM: http://canaldoouvido.blogspot.com.br/2014/02/o-carnaval-e-audicao.html


http://www.bahianoticias.com.br/holofote/noticia/49939-carnaval-2018-circuito-barra-ondina-ficara-dois-dias-sem-blocos-por-conta-da-crise.html



330 visualizações0 comentário
bottom of page