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Foto do escritorThiago Araujo Pinho

NADA DE JOGOS DE LINGUAGEM: Heidegger e a poesia completamente inútil




A linguagem é mais do que uma ferramenta, como muitos poderiam pensar. Claro que essa linguagem, ao menos segundo Heidegger, não é bem aquela cotidiana, do uso comum, aquela gerenciada por um principio pragmático. Ela é, ao contrário, o espaço da liberdade, do virtual, do criativo, embora, ao mesmo tempo, seja o espaço da angustia, da insegurança e do risco. Seus contornos, como consequência, não aparecem todo dia, em qualquer terreno, através de qualquer um. Esse ensaio tem como objetivo navegar um pouco nessa linguagem alternativa, entendendo seus limites, suas repercussões e seu próprio campo de possibilidades.


O poeta heideggeriano condensa em si e em torno de si a potencialidade do signo, um tipo de energia que ultrapassa seu uso como um simples instrumento, caminhando rumo a uma outra prática, a uma outra linguagem. O signo instrumental, aquele pragmático, seria um problema, uma incoerência dentro de uma ontologia legítima, o que nos leva também a uma critica do segundo wittgenstein e de seus descendentes da virada linguística, como Austin, Davidson, Rorty, e tantos outros. Na vida cotidiana, e na própria linguagem pragmática que a atravessa, as experiências são tecidas conforme um imperativo conveniente. Meu todo perceptivo, ou seja, meu mundo, é sempre mantido intacto, preservado, buscando elementos que o reforcem de alguma forma, assim como evitando coisas desagradáveis ou até mesmo arriscadas. Os signos aqui, nessa realidade, não seguem um fluxo livre, leve, como num divã, ao contrário. Tudo é meio que pré-determinado por uma certa matriz de significação, um tipo de polícia hermenêutica, digamos assim. O mundo, sempre rico e inesperado, acaba sempre como um pedaço frio de matéria, pedaço esse de um modo conveniente.


Cada signo é encadeado de um modo eficaz, rígido, muitas vezes ate inflexivel. Tudo é nomeado, rotulado, enquadrado, afinal, é preciso garantir um deslocamento confortável, sem muitos encontros com o mundo, no sentido espinozano. Nada pode brotar do nada, sem explicação ou coerência. Meu próprio corpo, incialmente único e irredutível, acaba se transformando em um suporte universal, assim como meus sofrimentos e alegrias ganham também um status parecido, garantindo uma boa comunicação. A virtualidade do signo, ou seja, seu potencial para ser outra coisa, sua liberdade, vê a si mesma constrangida pelo pragmatismo cotidiano, pela sua tendência em encadear tudo ao redor. Isso implica que a linguagem, ou a própria reflexão que a acompanha, seguem um rumo conveniente, limitado, sem optar por criatividades, mas também sem correr riscos. O sujeito comum, aquele do cotidiano, troca sua liberdade pelo conforto, troca seu virtual pela segurança de mais um dia previsível. O instante criativo, nessa historia toda, surge portanto do nada, no encontro, ou no evento de Badiou, ou seja, é sempre um contato inesperado com o real. É preciso que a surpresa, e o choque, quebrem o pragmatisno cotidiano, transformando o signo em um espaço rico, dinâmico, ao mesmo tempo que garante um solo fértil para reflexão e um infinito de possibilidades. A poesia, segundo Heidegger, carrega dentro de si esses encontros, essa linguagem alternativa, esse perfil impossível de ser encontrado em qualquer esquina. O que seria o “lance de dados” de Mallarmé ou o “the waste land” de T.S Eliot, senão um experimento, um laboratório, um gesto arriscado na tentativa de compor uma linguagem nova, mais concreta, mais fiel a uma ontologia heideggeriana? Ou seja, uma linguagem que enriqueça o mundo, ao invés de o enrijecer, uma linguagem viva, material, concreta, e não um conjunto frio de substantivos e verbos essencializantes. “Ali é uma arvóre”, dizem, e lá se foi a árvore, agora perdida e enclausurada no verbo “SER”.


Sem dúvida, abraçar a poesia, abraçar essa linguagem alternativa, tem seus riscos, principalmente porque estamos aqui para além da utilidade, do instrumental. A linguagem poética, assim como descrita por Heidegger, é completamente inútil, no sentido de que não atende a um proposito, não carrega uma meta dentro de si. Da mesma forma, não traz redenção, conforto, mas apenas a liberdade misturada com um toque de incerteza. Como seria cultivar essa inutilidade, quais seriam os benefícios de uma linguagem inútil?


Thiago Pinho (pinho. thiago@hotmail.com)



Link da imagem:


https://andreferreira.online/desgasta-falando-silencio/

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