Minha coluna de hoje é uma reflexão do pensamento existencialista clássico e sua preocupação com os limites do ser humano e sua relação com o mundo.
O homem é um ser abrangente dotado de uma biologia e uma história. Diferente dos animais, ele tem consciência de si. E é a partir do mundo, da existência, do contato com outros homens, que ele se reconhece como distinto de outros seres.
A essência do homem é a mutação. Fazer diferente. Construir e destruir culturas; modificar o mundo; fazer e refazer sociedades com padrões sociais, econômicos e políticos distintos e, também, não menos importante, aperfeiçoar-se. “Os animais se repetem e não avançam. O homem ,ao contrário, por natureza, não pode ser o que já é”. (JASPERS, 1965, p. 47).
Para Mounier o homem rompe sua natureza por duas vias: modifica a si mesmo e o seu entorno, e é um ser dotado de amor. Parafraseando o filósofo Karl Marx: o homem é um ser material e espiritual. No que tange a existência humana é preciso levar em consideração questões de ordem material (econômicas, sociais, biológicas), mas também as questões espirituais e psicológicas. Afastar ambas as dimensões levaria o homem à ruína.
o homem tem uma existência subjetiva e existência corporal. “Não posso pensar sem ser, e ser sem o meu corpo: estou por ele exposto a mim próprio, ao mundo, a outrem, e por ele que me esquivo a solidão de um pensamento que seria tão só pensamento do meu pensamento” (MOUNIER, 2010, p.12).
Mounier ainda nos alerta da necessidade de termos uma relação dialética com a natureza, evitando, assim, a pura exterioridade. Ainda, com o desenvolvimento da ciência e da técnica, o homem tornou-se, perigosamente, um objeto de sua própria criação, se despersonalizando gradualmente.
Jaspers concebe que há uma aura em torno do homem que se apresenta como um mistério. Nada sobre o seu ser natural e histórico pode dizer o que é o homem e quais as suas origens. O avanço da cultura, da técnica, das leis sociais, da moral e da ciência foi incorporado pelo ser humano ao longo da sua evolução. Sua ação se baseia no comportamento dos seus pares, vendo-os como sua imagem.
O homem continua existencialmente em uma perseguição ininterrupta sobre quem ele é. A busca intenciona o desvendar da natureza: penetrar em seus mistérios, tal como ocorreu na descoberta do fogo, do uso do ferro, da prata e da invenção de objetos voadores. Porém, o conhecimento tem limitações nas quais é impossível ultrapassar, pois o homem não é Deus. Há um grande risco no desenvolvimento das técnicas: a autodestruição humana.
Jaspers põe em evidencia que o homem também busca conhecer-se através da fé, da quietude, do contato com o algo subterrâneo em si: a busca de uma transcendência indizível que não é algo racional. Contudo, não há respostas últimas para a existência humana. Mesmo assim, homem por ser portador da liberdade, continua na sua busca eterna pelo que ele é.
Para o filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard, é na encarnação, na vida em sua materialidade, que deve o homem superar-se a si mesmo. As contradições, a contingência ou a situação faz parte da própria existência humana. Não há como interpor um saber universal que contemple todas as subjetividades. A objetividade dissolve ou despersonaliza o indivíduo. Assim, “a existência não pode ser analisada nos moldes científicos. Ela não é uma ciência, é uma história, que envolve personalidades, relações e contradições paradoxais, que não se esgota em definições e demonstrações lógicas”. (ALMEIDA e VALLS, 2007, p. 5).
Não é na fórmula de conceitos abstratos que haverá respostas para a existência humana. A pura objetividade reduz o homem a simples enunciados racionalistas de uma filosofia que se pretende sistemática, como, por exemplo, o pensamento totalizante de Hegel, que postulava uma razão histórica e universal, reduzindo o humano a uma grande lógica teleológica. Grande parte da crítica severa dos existencialistas à filosofia sistêmica tem suas origens no modelo cartesiano.
No entanto, apesar de Kierkegaard criticar a filosofia sistemática ele não é um autor anti-sistemático. O problema é quando os pensadores colocam todas as dimensões - conhecidas ou não - como Deus, amor, fé no âmbito da medição lógica. O sistema seria uma ficção, e como tal deve afastar-se do plano da existência. Esta é um universo de escolhas, possibilidades e projeções. Questões éticas, estéticas e religiosas fazem parte do âmbito da ação dos indivíduos subjetivamente, e não podem ser englobados em grandes modelos ou sínteses. Tais questões não podem ser vistas como degraus universais que trajam as pessoas como etapas exteriorizadas.
Os estágios não são degraus; não se passa de um para o outro como em um processo evolutivo ou como o movimento de consciência na superação hegeliana, uma vez que não existe um sistema da existência determinando o movimento da vida por intermédio de padrões ou de qualquer sujeição a necessidade. Entre os estágios existem abismos, que, para o movimento lógico que culmina na mediação, são incontornáveis, o que faz com que a passagem de um para o outro se dê somente através do salto. ( ALMEIDA e OLIVEIRA, 2013, p.91)
O pensamento existencialista clássico nos ajuda a refletir sobre o perigo de pensar em uma história universal, pois o que existe, de fato, são histórias humanas contadas em seus dramas existenciais, suas experiências, descontinuidades, incongruências e paixões projetadas no mundo. A consciência é uma consciência de subjetividade, e esta singularidade é o que conforma a relação do ser existente com a própria existência. A verdade, por fim, é a busca que cada um vivencia na sua experiência com o real. E a verdade será sempre um mistério a ser perseguido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Jorge Miranda de; VALLS, Alvaro L. M. Kierkegaard. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 3 Edição, 1965.
MOUNIER, Emmanuel. O Personalismo. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições Texto eGrafia,
2010.
OLIVEIRA, Leonardo Araújo; ALMEIDA, Jorge Miranda de. Kierkegaard: Da relação entre existência e pensamento no Post-Scriptum conclusivo não científico. Revista Humus, Nº 7, 2013. p. 87-99