Recentemente recebi um vídeo no celular com um deputado federal fazendo perguntas a quem o assistia. Ele se referia à novela das nove da Rede Globo falando sobre como o folhetim ensinava mulher a trair o marido, a ser viciado em jogos de azar, a ser chefe do crime organizado, a ser mulher de bandido, a dar o golpe da barriga, entre outras coisas, inclusive com “incentivos a se tornar gay” como se homossexualidade fosse uma tendência da moda criada por algum estilista e que é “estimulada” em alguma São Paulo Fashion Week. Apresenta a novela como uma “degradação da família brasileira” e que isso vem sido feito há 30 anos e ainda cita uma música de Cazuza (!) para fundamentar seu discurso. E diz não demorar para que a emissora comece a exibir em breve nas suas teledramaturgias “comercial para mudança de sexo” e “beijos entre crianças”. Tão pensando que vou falar sobre ele? Negativo. Vou tentar falar sobre influência televisiva e a vida aqui fora da TV.
Fui relutante durante um tempo a respeito da real importância do que estava sendo televisionado e como somos moldados pela grade de programação. Mas devemos discernir o que é ficção, o que é baseado em fatos reais, e a realidade em si - essa mostrada pelos jornais. A maneira como a notícia é veiculada é muito mais sutil e por isso mais sujeita a um aceite maior porque aquilo está diante dos olhos e não tem como ter acontecido em outra versão. E é aí que um editorial pode ter mais poder que um autor que vai desenvolvendo uma história muitas vezes em decorrência do público, da performance do elenco, quando esse personagem tá fraquinho ou aquele muito miserável. Se o IBOPE da novela está bom, deixa quieto. Mas se a corda da audiência apertar a mocinha da trama, ele afrouxa e aí vai do gosto de quem vai se adequando a mudanças ou não. E nesse caso sempre acompanho algum depoimento sobre como os telespectadores podem interagir de uma maneira ou outra aceitando ou não certo fato. Lembro que em uma determinada novela um casal de lésbicas morreu no desabamento de um shopping center, que foi explicado depois pela não aceitação daquele casal nos lares país afora. Diante disso, influência por influência, todos acabam colaborando de uma forma ou de outra no roteiro, se pega mais leve ou mais pesado. E a dramaturgia é assim. Tem que haver alguma lástima ou uma tempestade pessoal para que uma saída seja encontrada. Imaginemos uma novela em que o personagem ganhe uma polpuda herança e saia por aí gastando o dinheiro a rodo. Conhece todos os países, mulheres, tira fotos com celebridades. Volta pra sua mansão e a novela termina com o protagonista às gargalhadas dando uma mijada relaxante em seu sanitário. Qual a graça da novela? O que houve demais a não ser ostentação para alguns e uma vida digna e desejável para todos? A discussão se dá por conta de como ele deveria gastar tudo ou doar para uma instituição de caridade? Isso estaria mais para uma comédia pastelão. E aí vai uma diferenciação com altas doses de presunção. Comédia é pra rir. Drama é para confluir tragédias, soluções, inquietações, martírios, e por fim, voltas por cima, arrependimentos, compensações, reconhecimentos de um desvio mal sucedido. E nossa vida? Como fica com um turbilhão de situações nefastas? Depende de cada um que assista. O que é complexo é justamente saber até que ponto alguém pode ser influenciável ou não pelo que passa na TV. E aí não cabe censurar o que se vê, e sim medir com você mesmo o que lhe causa uma sensação ruim e aos outros. E crianças assistindo? Elas podem sofrer com isso não podem? Responsabilidade dos pais delas! Não se pode é terceirizar o que lhe cabe fazer. Mostrar o que é bom ou ruim não compete ao aparelho de não sei quantas polegadas na sala. O controle remoto também pode ser um tio censor.
Bem, mas e a novela teria o poder de ensinar, estimular e incentivar alguém a ser isso ou aquilo? Bem, levamos anos na escola e muitas vezes não aprendemos muito do que nos é passado. Sei que não dá pra comparar uma atriz gostosa com uma aula sobre mitocôndrias, mas quero dizer é que ensinamentos não são instantâneos como querem interpretar algumas pessoas. Embora esteja falando tudo isso sem assistir qualquer novela, sei que o que ela mostra já acontece ao seu redor. Ou alguém que mora numa periferia carente vai aprender na novela sobre o tráfico de drogas, com esse instalado ao lado de sua residência? Foi a novela que instaurou a homossexualidade em muitos lares no Brasil? Somente agora que a Globo inventou os transgêneros? Abordar esses assuntos significa incentivar? Somos adultos ou legumes influenciáveis por agrotóxicos para crescer e ficar vistoso? São perguntas bestas que eu faço, mas há quem esteja com respostas prontas apoiando o deputado. Muitos podem até querer me perguntar “As novelas bíblicas não mostram nada disso. Por que a Globo não monta novelas baseadas na Bíblia?” Ué? E não há dramas na Bíblia? A fuga para o Egito não pode ser transcrita para uma fuga de retirantes do sertão? A destruição de Sodoma E Gomorra não estaria próxima da destruição de Canudos? Há fatos em comum que representam as dramatizações de um enredo. A morte de primogênitos mesmo. “Você está querendo comparar um castigo divino (o episódio das pragas do Egito) com um assassinato com arma de fogo?” Não. Estou falando não do meio, mas do fim: o sofrimento das famílias ao perder um filho. Dramas expostos na novela e na Bíblia.
Já consegui encontrar algumas influências importantes das novelas passadas para a vida real: Gírias e cortes de cabelo de determinado personagem. Sim, há também algumas colocações momentâneas que desaparecem quando a novela termina. Mas queria encerrar falando sobre o que as novelas não abordam. Elas sempre devem terminar com todos acompanhados por ótimos parceiros. Ora, qual o problema de terminar a trama revigorado e sem ninguém? Virou lugar comum a felicidade sempre com uma alma gêmea, o que não se configura por aqui. Agora um erro grave das telenovelas: os empregados domésticos hilários e amigos dos patrões indecisos ou confusos. Poderiam elucidar como patrões se aproveitam desses personagens para, com a pseudoamizade, mostrar que essas relações escondem a desnecessidade de reflexões sobre benefícios trabalhistas e como são cruéis a vida dessas pessoas – passando a imagem de funcionários sempre felizes que vivem no luxo de seus ambientes de trabalho, sonegando seus sofrimentos e ocultando suas batalhas diárias pela sobrevivência. Prefiro falar, no entanto, do que a novela não passa.
Nem sei a real importância de falar sobre isso tudo. Mas acho bom não deixarmos uma fala fácil e cheia de moralidades ganhar força assim. Continuo sem assistir novela alguma, mas não esquecendo de que ela mostra e reflete muito da nossa sociedade. Quase todo mundo tem uma novela em sua vida, não é difícil detectar assim. As vezes penso que quem não tem uma novela não é ninguém.