"E deve ser certamente árduo aquilo que tão raramente se encontra. Pois se a salvação estivesse à disposição e pudesse ser encontrada sem maior esforço, como explicar que ela seja negligenciada por quase todos? Mas tudo que é precioso é tão difícil como raro". ( SPINOZA, 2015)
Qual o caminho da sabedoria? A coluna de hoje é a terceira e última parte das principais ideias do filósofo Baruch Espinosa. (Acesso ao link das primeiras partes https://www.soteroprosa.com/inicio/author/Alan-Rangel).
É no último gênero de conhecimento que o homem alcança a liberdade e o nível de sapiência, pois se distancia da servidão existente nos primeiros dois níveis de entendimento. Alcançar esse patamar é a certeza de viver sabiamente: gloriosa beatitude.
O homem deve se dissociar das superstições, medos, crenças, ilusões, filosofias, religiões, universos morais que castram e diminuem a sua potência [1]. A falta de compreensão do mundo escraviza-o às coisas externas. O homem, por ignorância em relação ao Todo, não consegue compreender o porquê dos afetos que estão circulando no mundo.
A liberdade, ou a sabedoria da vida só é alcançada na medida em que as ações humanas estão inseridas em ideias adequadas, ou seja, quando as afecções do seu corpo estão sempre em correspondência com Deus. Como aponta Espinosa no escólio da proposição 36, “por tudo isso, compreendemos claramente em que consiste nossa salvação, beatitude ou liberdade: no amor constante e terno para com Deus, no amor de Deus para com os homens”. (SPINOZA, 2015).
Com esse propósito chega-se a conclusão de que é no terceiro gênero de conhecimento que o homem é livre, agindo de acordo com a eternidade e necessidade de Deus. Suas ações estão em conformidades com a ordem natural das coisas. O amor intelectual é o único sentimento que é eterno. O eterno é o agora: potência de agir experimentando a infinitude de Deus nesse exato instante, sem esperanças e sem ressentimentos. O amor intelectual de Deus é o máximo de felicidade e potência constante que pode existir; é o único sentimento verdadeiro, imperecível e eterno que existe.
O homem sábio é aquele que maximiza os encontros felizes e age para a felicidade dos outros. Em sua sapiência, entende que as relações com o mundo são casuais, pois não há como prever todas as ocorrências da vida ordinária; entretanto, ele não se abala. “O sábio, enquanto considerado como tal, dificilmente tem o ânimo perturbado.” ( SPINOZA, 2015). Agir de acordo com a eternidade de Deus é a garantia da liberdade e de uma reta conduta existencial; é ação determinada pela potência divina, e não pelos afetos fortuitos dos encontros.
No homem completo trava-se a luta da imaginação com a razão, que é também a luta da morte com a eternidade. Já que pela razão, que sempre permanece, o homem age, já que pela imaginação, que deve perecer ele sofre, agir é começar a ser eterno, ao passo que a paixão é a morte. (BRUNSCHVICQ, 2014) [2].
O homem sábio ajuda a aumentar a potência do outro de um modo que este se exprima da essência interna e eterna de Deus, sendo co-participante da produção divina no mundo. Deus age pelo indivíduo de forma ininterrupta, em um fluxo direito sem mediações ou castrações. O amor divino flui com a potência máxima.
Por fim, Moreau[3] expressa muito bem esse estado de suprema bem-aventurança que Espinosa enfatiza na última parte da Ética:
É a sabedoria racional, a virtude e a beatitude, que importa que antes de tudo nos esforcemos por atingir, se queremos gozar da tranquilidade interior e tornar possível a liberdade política. É o apaziguamento espiritual que condiciona a desalienação, e não o inverso. A desalienação não é suficiente para a promoção. Tal é o ensinamento contido na última proposição da Ética (V 42), declarando que se alcançamos a beatitude não é por termos dominado as nossas paixões; pelo contrário, só na beatitude intelectual é que encontramos o poder de dominar as nossas paixões.
Fontes
SPINOZA, B. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.
[1] Potência de Agir ou conatus é uma energia ou instinto vital que existe em cada ser, como busca de afirmação da vida. Força de existir. Essa potência se apresenta como algo inconsciente, sendo a tendência ou um esforço infinito que todo ser tem em perseverar na sua existência.
[2] BRUNSCHIVICH, Léon. A lógica de Spinoza. In: FRAGOSO, E. A. R. (Org.). Spinoza: Cinco ensaios por Renan, Delbos, Chartier, Brunschvicg, Boutroux. Londrina: Eduel, 2004.
[3] MOREAU, Joseph. Espinosa e o Espinosismo. Tradução de Lurdes Jacob et al. Lisboa: Edições 70, 1971