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Foto do escritorCarlos Henrique Cardoso

Correspondências para algúem: respostas ao vento.


Sr Alguém,

Escrevo essa carta não sei se para ser respondida, mas para satisfazer a muitos ou poucos que compartilhem as mesmas dúvidas. Com isso, parto da leitura de um livro que, embora muitos não tenham lido, dá um norte para os questionamentos. Sendo assim, essa correspondência poderá ir de um lado para outro sem chegar a mãos especificas.


O livro em questão não é nenhum clássico, nem parece almejar esse posto. Muito menos se tornar canônico. O título é “Lava Jato”, escrito por um jornalista (o repórter da Globo Wladimir Netto) e traz um histórico dessa famosa operação que se tornou uma bactéria super resistente e que não é eliminada por nenhum antibiótico. É uma composição cronológica dos fatos desde a sua “fecundação”. Antes de dirigir essas perguntas a alguém – motivo maior dessa carta – devo dizer que li o livro por três motivos: porque gosto de ler, porque tive acesso, e, sobretudo, para rememorar e montar um mosaico que não se desmanchasse na minha mente diante de tanta informação. Teria um quarto motivo, mas é tosco: como converso muito em bar, tenho que ter assunto entre um gole e outro. Esses ambientes estão repletos de doutores em lavajatologia e eu sou um mero diletante.


Como material jornalístico que é, o documento vai dissecando como tudo se iniciou, prisões, revelações, investigações, descobertas, roubalheira, e muita delação, colaboração, deduração, e toda arte de “caguetar” o próximo. É basicamente aquilo que quase todo mundo sabe: uma relação promíscua entre Capital e Estado que exauriu a Petrobrás por via de operadores intermediários conhecidos como “doleiros”, que remetiam boa parte dos roubos para fora do país. Muita coisa não lembrava, pois pra uma operação dessa envergadura, diariamente bombardeada em vários veículos de comunicação e mídias sociais, iniciada em 2014, 3 anos se tornam 20. A maracutaia era fonte de enriquecimento pessoal, lucratividade maximizada de empresários, corrupção de servidores públicos e gastos de campanha política. Tudo bem explicado. Embora em muitos momentos as passagens do livro funcionem como meia armador que dá passes para o juiz Sérgio Moro ser o artilheiro do campeonato e levar a bola de ouro. Normal em tudo o que diz respeito à Lava Jato – tratada quase que um exército de um homem só. Mas o livro abre espaços para profissionais do direito que questionam a metodologia da operação e as ações de Moro.


Já estava esquecendo que isso aqui é uma carta endereçada a alguém e que deveria estar recheada de perguntas. Vamos ver se agora vou saber amolar a faca e destrinchar esse boi aqui.


O livro só vai chegar à Lula já na parte final e já transcorrida quase 90% da leitura. Só então se cogita que o ex-presidente estivesse envolvido em falcatruas “desde o início” já no fim (do livro), após denúncia do Ministério Público quando já havia transcorrido mais de dois anos de operação. O livro não abrange o famoso PowerPoint de Dalagnol mostrado em setembro de 2016, onde apontava Lula como “comandante máximo” do esquema que desviou recursos da Petrobrás. A denúncia do procurador Janot acontece em abril e a denúncia de Dalagnol em setembro. Pelo andar da carruagem detalhada no livro, Lula não estaria nas origens perpetradas pelos diretores da estatal. E que o esquema era uma conjunção de interessados em conseguir vantagens pessoais. Como, em poucos meses, pode se partir de uma denúncia a ser investigada para a proposição de algo de tamanho porte ter um chefe “descoberto” em tão pouco tempo? O montante recuperado até abril de 2016 chegava a cerca de 3 bilhões de reais. O “comandante máximo” gerenciava esse dinheiro? De que forma os subordinados lucraram mais que seu mentor? Seria satisfatório que obtivéssemos como resposta que tudo foi permitido pelo Palácio do Planalto para manter a governabilidade em troca da permanência no poder? Como, se um dos grandes empresários investigados, Emílio Odebrecht, afirmou que seu pai fazia esse financiamento do poder a mais de 30 anos? Por falar em empresários, a operação conseguiu colocar milionários para dormirem em celas frias e sem conforto. Um grande feito. No entanto, a prisão desses empreiteiros criou uma situação desconfortável: após as prisões, as empresas foram investigadas, ficaram sem créditos, e várias obras no país todo foram paralisadas. Com isso, milhares – ou milhões – perderam empregos. Mas cabe uma consideração. Digamos que haja uma investigação entre donos de supermercados que estejam num conluio criminoso com a Receita Federal e os proprietários das redes de supermercado sejam presos. Os supermercados irão fechar? Se donos de emissoras de TV se envolverem com esquemas fraudulentos com a previdência ou com o Ministério de Comunicação, a programação sairá do ar? Perguntar não ofende...


Outra dúvida é sobre a delação premiada, instrumento utilizado em larga escala para que um réu aponte comparsas na participação dos crimes. Pelo que percebo, muitos falam para depois a força-tarefa ir atrás dos indícios ou os próprios delatores mostrarem provas. É como se alguém defecasse e depois se fartasse em um banquete para produzir “provas” que já foram expelidas! Pelo que compreendo de uma investigação, a polícia apresenta acusados depois de comprovado que eles participaram da ação delituosa, com material apreendido e logo depois são encaminhados para a justiça e aguardam julgamento. Na Lava Jato, os suspeitos são apresentados e depois as provas são perseguidas para sustentar o depoimento feito. É isso mesmo? Assim sendo, a operação deveria se chamar “Operação Viva Maquiavel”, pois assim os fins justificam os meios. Uma espécie de “Minority Report”, um filme onde um departamento de “pré-crime” prendia acusados de cometerem crimes que não aconteceram (!).


Agora um ponto crucial dessa missiva: o papel da imprensa. Óbvio que os veículos de comunicação são apenas vetores da informação, o aedes aegypti da Lava Jato. Mas não sei por que a divulgação de certas notícias parecem bem estrondosas e desequilibradas em relação a depoimentos e arquivamentos. Uma revelação espantosa é dada com fogos de artifício típicos de um Réveillon, mas quando não dá em nada, são informados ao som de traques de massa. Com isso, não sabemos a quantidade exata de “bufa fria” nessa operação. Isso parece criar um imaginário popular de culpabilidade geral e um acerto infalível dos julgamentos. Essa atitude é da “natureza” da imprensa? O impacto da notícia é mais importante que seu esclarecimento? Já houve réu absolvido em razão de sua sentença estar baseada apenas em delações. Ou seja, havia sido condenado por sua probabilidade em ser culpado. Pode isso? Essa suposta máxima também direciona Moro rumo a um panteão, como se fosse um redentor. Não se encontram questionamentos sobre ele na grande mídia, tornando-o infalível. As vezes brinco comigo mesmo falando “vou ler Homero pra ver se encontro Moro como filho de Afrodite”. Mas essa percepção parece válida. Criticar o juiz símbolo da Lava Jato seria como atirar Kriptonita no Super-Homem e assim enfraquecê-lo. Isso mostra que houve um trabalho judicial passado em tom novelesco. Já há até um filme retratando a operação, contribuindo para mudar a imagem do judiciário, antes sisudo e pernóstico e agora sendo mais aberto, simpático, e “entrão”. Avaliando dessa forma, gero uma pergunta final: Moro se tornou refém de si mesmo?


Por fim, Sr. Alguém, apesar de pouco lhe dirigir a palavra, as perguntas são para ti. Por falta de espaço, não vou colocar aqui mais nenhuma interrogação. Me despeço achando que fui muito pueril, bancando o garoto inocente que se encontra nos primeiros anos do ensino básico. Mas o frescor de uma infância velha quando se escreve tantas palavras doces (afinal isso é uma carta) como expus aqui é que nos aliviam e nos tiram o cansaço de ser quase o tempo todo irônico e intrépido. E se não puder responder, não importa. O ganhador do Nobel já cantou:


The answer, my friend, is blowin' in the wind The answer is blowin' in the wind



Fontes:


NETTO, Wladimir. Lava Jato: O juiz Sérgio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil.Primeira Pessoa: Rio de Janeiro, 2016, 390 pág.

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