Assustador o cenário apresentado pela proposta da justiça em “liberar” o tratamento de pessoas homossexuais como se a homossexualidade fosse doença. Vejo por trás disso a “judicialização” do campo científico, tanto quanto temos visto acontecer a “judicialização” da democracia. E mais, impregnado de machismo que continua a render seus dividendos.
Além de homofobia, a atual liminar que autoriza a “cura gay” não passa de um barulho prejudicial que afeta a todos de diferentes formas, isso porque coloca em alerta a desumanização do humano. Sabemos o que dever ser feito, mas será que levamos a sério? Em casa, no ambiente de trabalho, nas escolas e nas ruas, lutamos pelo fim da homofobia?
É muito importante termos consciência de que o preconceito não anda sozinho. Por traz dele existe violência mascarada que suplanta o direito de existir e ser do outro. Parece absurdo escrever isso – afinal de contas, é obvio! Infelizmente, no entanto, não é o que acontece. Tomamos como exemplo o ex-presidente de Cuba, Fidel Castro, responsável pela desmoralização, perseguição, prisão em campos de concentração com trabalho forçado, tortura, expulsão e morte de milhares de gays, travestis e lésbicas durante o seu regime de ditadura. Além de Cuba, a Chechênia ainda hoje apresenta um crescente movimento de perseguição aos gays, com a criação de ‘campos de concentração para homossexuais’, muito embora seja negado pelo atual governo.
A homofobia cria ao seu redor espetáculos deprimentes. Situações anedóticas são anotadas. Tome-se, por exemplo, a imposição judicial que autoriza pesquisas cientificas e a possibilidade de “tratamento” da homossexualidade como doença. Patético, para dizer o mínimo. A Justiça perdeu o senso do ridículo. Mais grave: na eventualidade de “corrigir” o incorrigível, muitos gays são e continuam sendo assassinados. É aconselhável acreditar no bom senso dos senhores magistrados para evitar tamanha patacoada, mas infelizmente o Judiciário ultimamente tem apresentando uma endemia coletiva de embriaguez alucinógena. Surrealismo além da conta!
Quais os interesses em pesquisar uma doença que não existe? Ou, “criá-la” para ser pesquisada e, pasmem, “tratada”? Devemos nos perguntar: qual a pretensão de ser que uma ciência traz consigo? Michel Foucault, ao se interessar pelas ciências que tomam o homem como objeto, indaga sobre o que torna possível o discurso acerca do que é científico ou não. Para ele, o discurso, por si só, é portador de poder. Nesse sentido, ele nos convida a refletir sobre o que torna possível o discurso acerca do que é científico ou não. Seu objetivo é desvendar as regras de uma época que tornam possível afirmar o falso, o patológico e o errado, contrafração do verdadeiro, normal e certo. Em outras palavras, ele procura estabelecer a que nível se articula o discurso da verdade, referindo-se a questões tais como quem diz, como se diz e que instituição o diz. Sua preocupação fundamental é, doravante, com a articulação entre saber, poder e verdade.
A preocupação principal encontra-se, portanto, em estabelecer a que nível se dá a articulação do discurso de verdade, como essa verdade está relacionada com o poder e com as instituições, uma vez que as instituições têm sido qualificadas para determinar que tipo de discurso é verdadeiro ou falso.
Atuando sobre uma massa confusa, desordenada e desordeira, o esquadrinhamento disciplinar que propõe o projeto de “cura gay” faz nascer uma multiplicidade ordenada no seio da qual o individuo emerge como alvo de poder. Assim faz-se o nascimento da prisão, em fins do século VXIII, a partir do isolamento celular, total ou parcial, como inovações dos projetos e das realizações de sistemas penitenciários e o nascimento do Hospício como lugar que produz o louco como doente mental, personagem individualizado a partir da instauração de relações disciplinares de poder.
A ação sobre o corpo, o adestramento do gesto, a regulação do comportamento a normalização do prazer, a interpretação do discurso, com o objetivo de separar, comparar, distribuir, avaliar, hierarquizar, tudo isso faz com que apareça pela primeira vez na história esta figura singular, individualizada, o homem, como produção do poder e ao mesmo tempo, como objeto de saber. É assim que as técnicas disciplinares, como técnicas de individualização, fazem nascer um tipo específico de saber: as ciências humanas.
Em vista disso, negar a possibilidade existencial de diferentes formas de expressão da alma humana, sobretudo no que diz respeito à sua sexualidade, criando um “CID F-Gay” para justificar uma prática opressora de controle sobre os corpos, é desconhecer toda a história da Psicologia como ciência e tudo que, junto com a Psiquiatria, foi criado como poder disciplinador.
O amor ainda é melhor fonte renovável de energia do planeta, pois só ele cura.