Vista aérea do Palácio de Versalhes
Autor: ToucanWings
Autor: Mario Roberto Durán Ortiz
Foto: Esplanada dos Ministérios, Brasilia, D.F.
Parada obrigatória para quem visita a França, o Palácio de Versalhes, construído em 17, é sem dúvida uma das mais belas e estonteantes obras que o homem já construiu. Suas dependências, sua arquitetura e principalmente seus jardins, formam uma homenagem à opulência e a magnitude de que gozaram seus ilustres moradores.
No entanto, Versalhes foi um símbolo de poder absoluto e despótico da nobreza francesa, construído em um local afastado da suja Paris, que era assolada constantemente por doenças e pela pobreza. De lá, em meio ao luxo e festas que geralmente beiravam à orgia, a dinastia Bourbon e seu círculo aristocrático controlavam o país. Em meio a uma grave crise econômica, nobreza e igreja – a high society francesa – se recusavam a pagar mais impostos, sobrecarregando as camadas médias e pobres do país. Afastados da patuleia e desfrutando uma vida nababesca, a farra continuava às custas do miserável e faminto povo francês.... mas espera, algo não nos soa familiar? Sim, meus caros leitores, de te fabula narratur [1].
Erguida com o intuito de integrar o vasto território nacional, Brasília, construída no meio do país, foi símbolo do desenvolvimentismo na década de sessenta, com seus traçados planejados e arquitetura dos edifícios planejada pelo grande Oscar Niemeyer. No entanto, mesmo que o projeto inicial fosse integrar o território nacional, Brasília se transformou no ponto de concentração das castas privilegiadas de políticos e da alta burocracia que comandam o país. Agora, planejada e funcional, a capital federal isolou os donos do poder do contato com os grandes centros urbanos tal como era no Rio de Janeiro, fato parece ter modificado a mentalidade de seus ilustres moradores.
Distantes geograficamente da sociedade, os políticos parecem ter incorporado a distância física à um distanciamento moral da sociedade, talvez na ilusão de que suas práticas e maquinações estejam à salvo da opinião pública e principalmente das reações adversas a elas. Mesmo em um quadro de crise econômica e político-institucional, onde a primeira parece estar se dissipando ainda que timidamente e a segunda parece que não tem data de terminar, os donos do poder continuam a fingir que nada está acontecendo e a agir na maior cara de pau, porque parece que existem duas coisas que são escassas em Brasília: a umidade e a decência.
Enquanto a preocupação da reforma política deveria estar atenta à vontade da população, inclusive por meio de referendos e plebiscitos, justamente no momento de desconfiança em relação à política, onde o prudente seria consultar a sociedade sobre que tipo de reforma ela deseja, se discute a criação de um fundo bilionário para a “defesa da democracia”. E o que foi a ideia do “distritão”? Quer dizer, é como contratássemos pedreiros, mas eles que decidissem a reforma da nossa casa. Fica a sensação de que não teremos uma reforma do nosso sistema político, mas uma reforma para os políticos e para as excelências de seus respectivos umbigos.
Ainda como se não bastasse ao modo de agir sobranceiro, que remonta a verticalidade da construção do Império, ainda temos as farras, ou melhor, a farra dos jatinhos . Um dos homens fortes do governo Temer, Eliseu Padilha, ministro da casa civil, no primeiro trimestre do ano foi e voltou para casa em jatinho da FAB 21 vezes, mesmo com vigência de decreto presidencial que vete o seu uso com essa finalidade.
Mas como o Brasil é o Brasil (e a Bahia é a Bahia, já dizia ex-governador Mangabeira), a situação mesmo crítica, pode adquirir tons mais kafkianos. Escolhido pelo presidente para colocar a combalida economia nos trilhos, o ministro da fazenda Henrique Meirelles, que é um dos sacerdotes mais ilustres da igreja da Austeridade nas contas públicas dos últimos dias, só no primeiro trimestre deste ano, utilizou 18 vezes um jatinho da FAB para transitar entre Brasília e São Paulo, sua cidade de origem. Só de combustível, essa traquinagem patrimonialista custa em média 25 mil reais. Só de ida.
Antes que a turma do “Fora Temer” já pense em compartilhar o artigo, embasando os argumentos mais pueris em voga no debate político, deixem-me lembrar dos “meninos bons” do governo da Coração Valente. Em 2016 no mesmo período, Kassab e Edinho Silva, ministros do governo Dilma, utilizaram o jatinho com a mesma finalidade 18 e 10 vezes, respectivamente. Não, não basta dizer que os gastos nos dois períodos eram distintos, com aumento de 40% no governo Temer. Atos indecentes e 40% menos indecentes a meu ver, continuam indecentes e têm a mesma classificação indicativa.
Provocações à parte, o que pretendo ilustrar é que o excesso de prepotência e falta de decência republicana, são menos características de esse ou aquele governo do que um tipo de traço atávico dos grupos que comandam o Estado brasileiro, que mesmo contendo exceções, só fazem confirmar a regra que estampa o cotidiano dos jornais e escandalizam uma sociedade, que pena com a desigual carga tributária e pelos amargos efeitos da recessão econômica, mas que bravamente encara dia após dia as dificuldades cotidianas, porque antes de mais nada, ela é feita de fortes, tal qual o sertanejo de Euclides da Cunha.
Além de trágica, o que faz a situação ser também cômica é o tipo de justificativa. Os ministros Padilha e Meirelles alegaram “motivos de segurança” para utilizarem os jatinhos, ao invés das linhas aéreas comuns para as viagens. Afinal, do que têm medo, ilustríssimos ministros? Por que viajar no meio da patuleia causa tanto pavor, a ponto de onerarem dessa forma os cofres públicos, que já sangram por si mesmos? Como falar em austeridade, quando o bate-e-volta ministerial nos custam quase 50 mil de combustível?
Não é simplesmente do valor dos gastos desnecessários ou do conteúdo da reforma que se discute, mas sim do gesto que isso representam. Em um país com mais de 13 milhões de desempregados, ver os indivíduos que supostamente deveriam estar obcecados em discutir saídas para a crise econômica, política e moral do Brasil, reproduzem hábitos aristocráticos e arrogantes de uma aristocracia que no século XVIII foi quase toda parar na Navalha do povo [2].
É assustador constatar que em mais de um século de regime, continuemos a conviver com práticas de privilégios por partem dos que controlam o Estado. No fim das contas, não parecem atentos ao conselho de Maquiavel, que há mais de meio século nos adverte que a história serve como referência. Desdenhosos da opinião pública e isolados em sua própria Versalhes, nossos donos do poder não percebem que a tolerância se esvaiu e não aceitaremos mais brioche.
[1] em latim no texto: É de ti que a história fala! Cf. Horácio, Satirae (Sátiras)
[2] como era conhecida a guilhotina, instrumento de decapitação utilizado durante o auge do período da revolução francesa, conhecido como O Terror.