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Foto do escritorEquipe Soteroprosa

Inovação e tradição no Mosteiro de São Bento da Bahia


A cerca de seis meses passei a frequentar o Mosteiro de São Bento da Bahia, situado entre a Avenida 7 de Setembro e a Barroquinha. O mosteiro do século XVI, fundado no ano de 1582, é o primeiro mosteiro beneditino das Américas, guarda em sua história de mais de 430 anos, episódios importantes como a invasão holandesa, período em que foi ocupado, saqueado e tomado pelas tropas inimigas e convertido em quartel, e, no período da ditadura militar, quando foi novamente invadido por militares em busca de estudantes que participaram de manifestações contrarias ao regime na década de 70.


Além desse legado histórico, o Mosteiro de São Bento guarda um grande patrimônio literário, artístico e cultural, contando com uma biblioteca de mais de 300 mil livros e manuscritos, muitos dos séculos XVI ao XIX, um acervo artístico e mobiliário com mais de duas mil peças e um laboratório de conservação e restauração de livros e documentos históricos. O mosteiro também foi o ambiente de inspiração para o escritor romântico baiano Junqueira Freire, que, monge beneditino, escreveu sua obra poética “Inspirações do claustro”.


Do ponto de vista religioso, o mosteiro de São Bento traz em sua história uma dupla face de inovação e tradição. Nas décadas de 60 a 90, quando teve como arquiabade Dom Timóteo Amoroso Anastácio OSB., o mosteiro de São Bento instituiu a chamada Missa do Moro, que inovava pelo uso de instrumentos de percussão africanos, aproximando o culto católico da sonoridade das matrizes culturais afro-brasileiras. Havia também um contato próximo entre Dom Timóteo e lideranças das religiões afro-brasileiros, num verdadeiro exercício de respeito mútuo e diálogo inter-religioso.


Atualmente, sob a gestão do arquiabade Dom Emanuel D’Able do Amaral OSB., o mosteiro traz a face da tradição, ao retomar, nas celebrações litúrgicas, os cânticos gregorianos em latim, acompanhado pelo clássico órgão. Esse retorno à tradição, longe de ser um retrocesso, é, na realidade, um retorno sempre renovado às fontes originárias do espirito cristão e do monaquismo. A tradição se faz presente no latim, língua morta e por isso mesmo eterna e imutável, que permanece viva e perene em sua forma final preservada, representando ela mesma a perenidade e imutabilidade da palavra de Deus.


Em tempos tão incertos, de crises e mudanças tão rápidas e constantes, tal imutabilidade e perenidade servem como contrapeso e consolo, como um verdadeiro ato de resistência pacífico e pacificador do espirito, trazendo a ele a sensação de que, diante de todo o caos, reviravoltas e incertezas, o sagrado permanece presente e constante, como fonte de vida, conforto, consolação e paz às almas aflitas.


Paz, inclusive, é a palavra escrita nos portões e na fachada da arquiabadia de São Sebastião, o santuário do Mosteiro de São Bento, sendo também o lema dos beneditinos, juntamente com o “Ora et Labora” (Oração e Trabalho). O trabalho diário dos monges é exatamente e principalmente a oração continua, o culto e a liturgia, direcionada a Deus como louvor e clamor de toda a humanidade, de modo que, a todo momento, a humanidade possa ser escutada em suas preces por Deus.


Mais do que belas canções, que nos trazem a sensação de tranquilidade e serenidade à alma, os cânticos gregorianos são o entoar de uma oração perene, na linguagem eterna e sagrada do cristianismo católico romano, do latim, voltado para Deus como lamento, prece, louvores e graças de todos os homens.


Independente da religião – ou de sua ausência – daqueles que vão conhecer e participar de uma das missas do Mosteiro de São Bento da Bahia, é importante conhecer e estar atento a esses detalhes que dão todo um sentido especial aos ofícios litúrgicos realizados pelos monges beneditinos. Mais do que um ritual solene, do que um espetáculo para a apreciação estética dos visitantes, o culto monástico traz a missão de manter viva, através da oração continua, a conexão do homem com o sagrado.


Para aqueles que não tem uma religião, fica a experiência estética de escuta e contemplação dos belos cânticos em latim e de um ritual rico em detalhes e simbolismos, divinamente orquestrado por toda a comunidade de monges, simetricamente organizados, no sentido de expressar, creio eu, a partir de seus gestos, o equilíbrio do próprio Deus e a conexão com o sagrado.


Para quem quiser conhecer e ouvir os cânticos gregorianos dos monges beneditinos da Bahia, há missas diariamente, de segunda à sexta, às 7:00hs e 12:00hs, aos sábados às 7:00hs e aos domingos, às 10:00hs.



Para quem gosta de livros, e queira levar para casa parte dessa histórica, creio ser possível ainda hoje adquirir o livro “O mosteiro de São Bento da Bahia”, publicado em 2013, e organização por Dom Gregório Paixão OSB, atualmente arcebispo de Petropolis. Nele, além ricamente ilustrados com iluminuras medievais e fotos do mosteiro e de suas obras de arte, vem um CD intitulado também de “Inspirações do Claustro”, que vem como 14 faixas, incluindo a bela "Oração das Completas", minha faixa favorita.


Se tiver a sorte de ir a uma missa solene, realizada em dias festivos, poderá apreciar também a participação do coral, que também entoam cânticos em latim, além da contar com a presença do próprio abade celebrando a missa com toda a sua serenidade. Já pude participar de algumas dessas missas solenes e posso afirmar que é uma experiência emocionante e sempre única.


Além disso, para além da tradição, os monges têm um espirito sempre jovem, vivo e atento às questões sociais e políticas da atualidade, o que pode ser percebido nos momentos das homilias, quando são comentados e interpretados os textos bíblicos lidos durante a cerimônia e contemporaneizados para os dias de hoje, demonstrando que tradição e inovação caminham juntos, no espirito monástico dos monges beneditinos da Bahia.


Para quem gosta de livros, imagens de santos católicos e arte sacra, chaveirinhos, terços e pingentes, vende-se de um tudo também, na lojinha do mosteiro. O que mais me chamou atenção foram imagens utilizando técnicas italianas, que são uma verdadeira perfeição de detalhes, e ícones bizantinos e em estilo renascentista, pintados por um dos monges do mosteiro. Além disso, a atendente da lojinha é uma simpatia e dá para ter um bom dedinho de prosa com ela.




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