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Foto do escritorCarlos Henrique Cardoso

A vaquejada como fator socializante


Desde que foi julgada como ilegal pelo Supremo Tribunal Federal (apenas no estado do Ceará), a vaquejada vem sendo discutida como uma prática que proporciona maus tratos aos animais, reivindicada pelos ativistas em defesa dos mesmos. Para outros, no entanto, é uma cultura tradicional do Nordeste a ser preservada. Sem entrar nos méritos da decisão do STF – colocada aqui apenas como informação – quais aspectos podem ser observados na realização de um evento como esse?


O cerne desse jogo (não me sinto a vontade para chamar de esporte) se desenrola quando uma dupla de vaqueiros (ou boiadeiros) montados em cavalos encurrala um bovino que corre em disparada por uma área até ser derrubado pela cauda antes de atingir certo limite estabelecido. Essas quedas podem causar lesões, o que pode configurar sim um mau trato. Esse animal pode ser um garrote ou novilho.


Esse ato faz parte do oficio do vaqueiro – profissão regulamentada e registrada como patrimônio imaterial da Bahia. Como condutor do gado, é sua função cercar e derrubar um boi fujão. A vaquejada seria a espetacularização desta tarefa especifica.

Transformar essa fuga em um espetáculo é passível de questionamento. Muitas pessoas não se sentem confortáveis em apreciar animais sendo forçados a realizarem algo para o deleite dos homens. Os rodeios que acontecem nos estados do Sudeste e Centro Oeste do país são exemplos de incitação à dor para que o animal tenha uma manifestação “plena” de sua atividade na arena. Sem falar nas touradas na Espanha e México, que terminam com a morte do touro, após sucessivos avanços provocados pelo toureiro. Deixo para outra oportunidade a teatralização envolvida nesse jogo da morte.


Quero agora colocar as razões de ter escrito sobre esse acontecimento tão distante de mim e dos meus gostos. Em um bate papo informal com frequentadores de uma famosa vaquejada – que acontece todo ano no município de Serrinha – todos eles afirmaram terem participado sem ter visto uma vaquejada sequer! Conversei com um casal e com dois grupos – que não se conheciam. Explico: o evento não se resume ao jogo do vaqueiro. Há barracas típicas, exposições variadas e, sobretudo, shows musicais com artistas conhecidos ou renomados, de relativo sucesso, e que atraem um público significativo por onde passam. Pelo depoimento deles – que haviam se deslocado de Salvador para Serrinha para acompanhar apenas as apresentações dos seus artistas favoritos – boa parte dos participantes do evento pareciam não demonstrar interesse um torneio envolvendo bois, cavalos, vaqueiros e muita correria. O que chama atenção, nesse caso, não é a vaquejada “em si”, mas os complementos proporcionados por ela.


Não podemos esquecer que uma vaquejada não é um acontecimento cotidiano. Pelo contrário, ela altera esse cotidiano. É um dia diferente para muitas famílias. Amigos se reúnem. Ex-moradores e filhos da terra podem comparecer nesse dia. Bebem nas barracas. Comem. Passeiam pela área. Assistem exibições musicais. Enfim, curtem um dia diferente. Falo da socialização que gera sentimentos coletivos, paixões, convívio social, reencontros. Em locais atingidos pela seca, pela crise, pela escassez total, a falta de perspectiva, eventos como esse alavancam a economia. Além de comidas e bebidas, vendem-se chapéus, utensílios diversos, apetrechos, souvenirs. Existe a possibilidade de negociação, troca, hospedagens, guias orientam visitantes pela zona rural. Toda uma circulação de dinheiro que aplaca situações de carência. Falo da vaquejada não como0 solução, mas como potencial.


Mas e os maus tratos? Devem ser problematizados sim. No entanto, não se pode simplesmente examinar a situação no sentido de fazer com que a vaquejada desapareça e seja forjado outro evento em substituição. Se a questão for a boa vontade de firmar algo que continue a estabelecer vínculos de sociabilidade, mesmo com a melhor das intenções, festejos e celebrações não surgem “do nada” ou como substitutivo de uma coisa que deve ser combatida. Não é fácil assim. Soaria como farsa.


A vaquejada permanece como cenário que oferece o convívio social entre os indivíduos, valorizando a socialização nos espaços públicos.



Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/o-homem-e-cavalos-p%C3%B4r-do-sol-2389833/



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