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Foto do escritorAlan Rangel

Literatura faz bem!

Há alguns anos, eu não dava muita importância a literatura. Lembro que na época do colégio, no pobre e precário ensino público brasileiro, a literatura era um apêndice, algo pouco importante para minha formação enquanto estudante e ser humano. Anos depois, na universidade, percebi o quão importante é a leitura, sobretudo a literatura, e como a falta desse incentivo é prejudicial. Esse é o tema que pretendo tratar hoje.


Uma pesquisa realizada pelo Ibope sob encomenda do Instituto Pró-Livro, publicada em 2016, na 4° edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, apontou que em 2015, somente 56% da população realmente leu algum livro – inteiro ou em partes - nos três meses anteriores à entrevista. Foram 5012 entrevistas feitas em todas as regiões do Brasil, nos domicílios dos entrevistados, entre 23 de novembro e 14 de dezembro de 2015. *


Na pesquisa, o livro mais lido é a Bíblia, seguido de Diário de um Banana, Casamento Blindado, A culpa é das Estrelas, Cinquenta Tons de Cinza, Ágape e Esperança. Os autores mais citados pelos entrevistados: Augusto Cury, João Ferreira de Almeida, Zibia Gaspareto, Paulo Marcelo Rossi, Cristiane Cardoso, Renato Cardoso, Paulo Coelho e Allan Kardec. E pasmem: o primeiro grande autor clássico da literatura brasileira vem na 12° posição, Machado de Assis. Ou seja, temos aqui um dado importante: os autores mais citados estão no âmbito da religiosidade. Os resultados acima ainda mostraram uma tendência para leituras rasas, fora do âmbito religioso, como Cinquenta Tons de Cinza, que ocupou a 4° colocação.


Esses dados tendem a apontar uma dificuldade com um tipo de leitura que exige elaboração cognitiva mais refinada por parte das pessoas. No Brasil, há uma falta de incentivo da sociedade de incutir nas crianças, jovens e adultos que a leitura precisa se tornar um hábito, um prazer, uma experiência interior profunda. Países que incentivam a prática da leitura produz seres humanos com espírito mais virtuoso, desenvolvendo capacidades de compreensão sobre a realidade pessoal e coletiva, de forma muito mais sofisticada.


Ler não é só um esforço mental para entender uma história. Ler não é só a possibilidade de aumentar o vocabulário, ou prestar atenção na coerência gramatical. É mais do que isso: ler nos leva a navegar em um infinito de possibilidades. E a literatura nos faz embarcar para esse mundo complexo das relações humanas. Além disso, um bom clássico muitas vezes nos desafia a um trabalho mental mais árduo. Também pode gerar um impacto profundo em nossas emoções. Desperta sentimentos ocultados pelo tempo. Nos transporta para mundos nunca vividos.


Lembro que no ensino médio, sobretudo, a partir do segundo ano, a intensificação da leitura era voltada para o vestibular. Sim, éramos obrigados a ler, por exemplo, um clássico como Vidas Secas, ou Iracema, por uma questão extremamente pragmática. Visando algo lá na frente, que era ser um universitário. Isso me causava um desconforto, pois não era incutido aos estudantes o prazer da leitura, com um sentido de autotransformação, autoconhecimento e pluralismo do mundo. As leituras, que em si eram pouco incentivadas, tinha um cunho mais técnico, de memorização, de puro pragmatismo. Sim! E esse incômodo era uma sensação que contaminava negativamente a todos.


Em geral, as famílias brasileiras de classes menos favorecidas, culturalmente e economicamente, também não incentivam a leitura. E com a chegada das redes sociais, o uso das tecnologias para entretenimento, o estrago vai ficar ainda pior. Por isso precisamos chamar atenção.


A literatura nos mostra um vasto passado, contado por grandes homens e mulheres, que enxergavam a realidade social de modo peculiar. Estas brilhantes mentes habitaram e legaram para o futuro a imagem de um contexto no qual não pudemos vivenciar. Através da compreensão do passado temos mais sensibilidade para perceber as sucessivas transformações estéticas, econômicas, religiosas, políticas, sexuais, filosóficas que chegaram até nós. Quando compreendemos que habitamos em um mundo no qual existe milhares de mentes e corpos com pensamentos e sensações diferentes, aprendemos a ser mais conscientes da nossa experiência cotidiana. Passamos a ser mais tolerantes, em certo sentido, com as diferenças, a alteridade. Começamos a entender um pouco melhor sobre empatia, pois, nos colocamos no lugar do outro.


Além de aprendermos sobre a vida das pessoas em contextos passados, em suas particularidades, aprendemos como os padrões eram internalizados e reproduzidos ordinariamente. Vivenciamos como as personagens podem nos ensinar através das experiências no contexto vivido e com outros indivíduos. Temos também as ficções, distopias e utopias que são exemplos de como podemos ser incentivados a ter mais criatividade e senso crítico, além do fundo moral que as histórias podem nos suscitar.


Onde estão os clássicos da literatura brasileira e estrangeira? Devemos incentivar mais! Não podem desaparecer ou está restrito a um seleto grupo de pessoas. O ranking da pesquisa citada no início do artigo, não é um bom estimulante para que desenvolvemos a criatividade, a empatia, a crítica, a intelectualidade, o espirito culto, a imaginação e a complexidade da realidade. Geralmente, tais livros simplificam a vida, limitam as percepções, e torna tudo menos suportável, servindo de guia ou muleta para afastar a dor da existência, a gratuidade dos eventos e a falta de coerência dos acontecimentos mundanos.


Precisamos incentivar crianças e jovens para a leitura, para os clássicos, em especial. Esse é um trabalho que abrange família, escola, opinião pública, grupos sociais e a mídia. Chamo atenção para que não abandonemos a riqueza material que nos foi legada pela literatura, tal como um Machado de Assis, Euclides da Cunha, Clarice Lispector, no âmbito brasileiro, ou um Shakespeare, Miguel de Cervantes, Victor Hugo, no âmbito internacional. Obras que não são valorizadas nas escolas. Almas que imortalizaram suas obras, com aspectos profundos que transcendem a História.


* http://g1.globo.com/educacao/noticia/numero-de-leitores-no-brasil-sobe-6-entre-2011-e-2015-diz-pesquisa.ghtml





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