REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL?
Caros leitores, durante alguns dias tenho refletido sobre o fenômeno da violência urbana e a desinformação que circula sobre o tema. Decidi refletir sobre o assunto e compartilho com vocês minhas “cheganças”.
Para falar sobre o tema antes é preciso compreender o processo de construção da realidade social e como este perpassa por simbolismos culturais e sociais, seja de ordem pública ou privada, atuando como reforçadores simbólicos que atravessam e constituem os sujeitos.
A violência urbana é hoje um dos assuntos que mais preocupa a população atingindo à sociedade em diferentes segmentos sociais. Limitá-la a um “produto” marginal estratificado da sociedade é omitir as mazelas que a produz e a mantém. Nesse sentido, torna-se necessário compreender como as práticas sociais contribuem para a construção subjetiva do menor infrator bem como comprender as representações sociais sobre violência urbana e o ideal de justiça.
O debate sobre a redução da maioridade penal ressurge como um elemento de interpretação da realidade sociocultural, fundamentada em julgamentos e atitudes que refletem a elaboração e a construção de práticas reforçadoras das representações simbólicas sobre a subjetividade do adolescente. Nesse sentido, a roupagem do imaginário social sobre a situação do adolescente em conflito com a lei representa um dos elementos constitutivos para a compreensão desse fenômeno.
O atual sistema jurídico baseado na Constituição Federal de 1988 em seu Art. 228 entende que: “são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Da mesma forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criada com a função de proteger o menor da sociedade e esta contra menores infratores, dispõe no Art. 104 que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei”.
O fato é que tem surgido vários debates em torno da redução da maioridade penal de dezoito para dezesseis anos, sobretudo quando adolescentes estão envolvidos em crimes contra a pessoa humana. Quando tal tema ressurge, vários questionamentos são feitos: um sistema justo e socialmente adequado para os dias atuais deve ser aquele em que os adolescentes de dezesseis anos sejam imputáveis perante a lei devendo pagar pelos seus crimes? Tal penalidade deve ser aplicada com base na adoção de um critério puramente biológico, como é o atual sistema jurídico brasileiro, sem necessidade de avaliação psicológica do desenvolvimento psíquico-emocional do menor infrator? Minha resposta é não.
O adolescente é uma pessoa em formação, em estágio de desenvolvimento físico e mental. A redução da maioridade penal em nada vai modificar a realidade atual. Infelizmente a violência é entendida como ligada à pobreza, à miséria cultural e ao enfraquecimento do estado. A redução da maioridade penal não constitui solução efetiva para os problemas da violência urbana e do aumento da taxa da criminalidade, sendo considerada um antissenso.
A discussão sobre a redução da maioridade penal ressurge no contexto da violência como algo inacabado e carente de fundamentação, geralmente alicerçados em discursos demagógicos e isentos de uma análise crítica da realidade sócio-histórica e cultural da nossa sociedade. Ser a favor ou contra a redução da maioridade penal não afere a compreensão das dimensões coletivas e individuais que perpassam a construção subjetiva do adolescente em conflito com a lei. É preciso discutir de forma mais séria e amadurecida esse fenômeno da violência urbana cometidas sobretudo por adolescentes, uma vez que faz parte da formação da opinião pública que afere direta e indiretamente a vida desses jovens.
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A Psicologia Social aborda nesse sentido, a forma como o ambiente social ou determinadas situações sociais influenciam o funcionamento individual de cada um. Para entender os significados que os grupos constroem sobre alguns fatos, ela se propõe a compreender as representações sociais em torno do conhecimento socialmente elaborado, sendo este um conceito introduzida por Serge Moscovici, ao tentar compreender de que forma a psicanálise, ao sair dos grupos fechados e especializados, era ressignificada pelos grupos populares. Tal conceito tem origem na Antropologia e na Sociologia, através de Durkheim e Lévi-Bruhl, na teoria da linguagem de Saussure, teoria das representações infantis de Piaget e na teoria do desenvolvimento cultural de Vigotsky.
Para avaliar o papel que os fatores socioculturais exercem sobre a formação e circulação das representações sociais dos adolescentes em conflito com a lei é necessário entender o fenômeno da violência urbana, sua construção social e a teia dos significados que a constitui, buscando compreender o contexto sociocultural de desenvolvimento do adolescente em conflito com a lei, bem como as práticas de subjetivação que o envolve.
Penso que para refletirmos de forma mais amadurecia sobre o tema é necessário compreender a que nível se articula o discurso de verdade, referindo-se a questões tais como quem diz, como se diz e que instituição o diz, pois o discurso por si só é portador de poder, segundo Foucault. Deixo ao leitor a possibilidade de reflexão: a quem serve a redução da maioridade penal?