O Desvelamento do Mundo e o Homem como Ser de Passagem
“Tudo que não invento, refaço. ” (Manuel de Barros)
O mundo é configurado por um processo de interpretação contingente a busca da Verdade, nunca revelada em si mesma. Somos, assim, conduzidos por um continuum desvelamento do mundo que se apresenta a cada um de nós tal como é. Não podemos ver tudo ao mesmo tempo, nossa atuação é hermenêutica.
Remodelamos o mundo toda vez que dizemos o que significa alguma coisa. E o que é a “coisa” em si? Pasmem! Não existe a coisa em si, existe coisas que se apresentam para nós. Diante disso, a multiplicidade interpretativa do mundo se constrói a partir da irrepetibilidade de cada ser humano com suas histórias próprias.
O ser humano não é um ser de constatação, mas um ser ficcional. O Real lhe é inacessível, restando-lhe apenas possibilidades interpretativas de compreensão. Cada um interpreta, portanto, a partir dos seus valores e pontos de vista. Isso torna-se um perigo quando tende à polarização, ou seja, quando a força da palavra do outro absolutiza o inalienável. “A escala cria o fenômeno” (Poincaré), o ponto de vista cria o fato. Existe uma relação intima entre o modo como olhamos para o mundo e o que vemos nele.
Existe o mundo e o que eu trago para mediar o mundo. Essa mediação acontece na dialética entre o desvelamento e a transformação, pois a medida que ocorre um avanço na polissemia interpretativa do mundo, os horizontes possíveis de alcance da (s) Realidade (s) são ampliados. Cada vez que amplio a forma de ver mundo ele se revela mais refinado em si mesmo, contribuindo criativamente, de modo integrado com o processo de construção, transformação e modelagem mundo-subjetividade. Apresenta-se, portanto, novas possibilidades imagéticas de interpretação. Tais possibilidades contribuem para a transformação e construção do si mesmo e converge para um campo de confluências de desestranhamento do mundo.
Em “O Retrato do artista quando coisa”, Manuel de Barros nos convida a mergulhar em um campo simbólico de incompletude do homem. Para alcança-lo é preciso inventá-lo e o fazemos na medida que desestranhamos o mundo.
A maior riqueza do homem é sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou — eu não aceito. Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai. Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas. (Manuel de Barros)
O Homem não é o ponto de chegada, é um Ser de passagem, ele não tem fim. Isso significa dizer que o Homem vai existindo para si mesmo na medida em que se revela. O desvelamento do mundo é uma tentativa de dar forma ao trajeto de um “ser em passagem” e não de um “ser finalizado”. Para isso é preciso entender o “como se das coisas”, que circula em torno das construções subjetivas, extraindo o “sentido da realidade” e não para dizer o que a realidade é em si. O Homem é, portanto, um objeto de construção subjetiva ligado ao mundo e o que nele contém.
Somos alcançados pelo mundo que nos contém e não o contrário. A medida que a Verdade é revelada em sua incompletude para o homem este constrói a si mesmo em um processo dialético de busca e transformação. Quando avançamos e ampliamos a leitura sobre o mundo, este se revela à nós mais refinado.
Nada podemos diante do incomensurável senão contemplá-lo. Nesse sentido, somos convidados a estar no mundo e ressignificá-lo, respeitando as diferenças e possibilidades hermenêuticas de cada um. Pretensões, para quê, se somos apenas desbravadores do que já É? Traduzimos o mundo a medida que ele se apresenta para nós, isso não quer dizer que o alcançamos, pelo contrário, somos nós por ele alcançados.