A minha coluna de hoje pretende trazer uma breve reflexão filosófica sobre a nossa insistência em acreditarmos na ética social. Será possível pensar em outra alternativa? Acredito que sim.
A partir da Idade Moderna, quando as sociedades europeias começaram a se organizar pela lógica secular, temporal, calcada na própria experiência humana, passamos a acreditar que o homem seria o centro do Universo. E todo mistério da existência seria desvendado pela razão. O antropocentrismo – o homem como centro da realidade - passou a dirigir a política, ou seja, a vida pública, sobretudo por abandonar o mundo espiritual - a ética religiosa - a favor dos assuntos terrenos. A religião seria recuada, e Deus passaria a ser uma questão particular a cada um.
Nessa transição lenta e gradual, para uma nova forma de compreender o mundo, passamos a crer que a harmonia social poderia ser alcançada através da construção de uma ética social voltada estritamente para a organização da vida coletiva. E a referência na construção dessa ética estaria na própria racionalidade, ou, posteriormente, em uma racionalidade compartilhada, intersubjetiva.
Muitos tenderam a acreditar que o Estado é a instância que eliminaria as mazelas sociais, e levaria a um reino humano mais harmonioso, coeso e feliz. Posteriormente, isso também valeu para aqueles que confiariam essa missão a um político ou a um grande partido. A mesma crítica vai para os apologistas do mercado: imaginaram que a sociedade será bem orientada a partir da lógica da economia, da livre competição desenfreada, sem amarras sociais, teológicas e políticas. Pois bem, tanto os defensores do Estado como grande organizador da paz social, como os que defendem o Mercado, se apegaram a uma visão otimista, positiva do ser humano. Ou seja, ao mudar o comando social muda-se o indivíduo. Em outros termos, há uma crença definitiva que todo o problema social está somente no social. Há uma confiança na ética social.
Em paralelo, se acreditou, e ainda se acredita, que o desenvolvimento científico levaria a humanidade à felicidade social plena. O desenvolvimento da técnica levaria o homem a investir na sua capacidade intelectiva, ao eliminar todos os problemas físicos, sociais e até existenciais.
A partir do final do século XIX, filósofos e, posteriormente, com as ideias de Freud e seus seguidores, a razão passou a desconfiar de si mesmo; ela deixou de ser critério de vida boa e coerência. O princípio do prazer, algo inconsciente, seria o filtro gerador que explica a busca inconstante da felicidade. Na época, esse movimento gerou uma crise da razão, ou uma crise na esperança humana de orientar conscientemente projetos bem sucedidos para uma organização social harmoniosa
Essa esperança de que os dias melhores virão está de alguma forma infundida na experiência humana, da dor e da morte. A religião, por séculos, tem orientado que o ser humano alcançará a redenção na vida após morte, depois de uma passagem sofrida, desde que se devote para a obra do Criador. Os que definitivamente se afastaram dos preceitos religiosos acreditaram que a redenção poderá surgir na Terra: uma sociedade paradisíaca, ausente de violência, de miséria social, de preconceitos e com plena liberdade para realizar seus projetos. No entanto, ao chegar no século XXI, nos perguntamos se alcançamos tais objetivos.
Chegamos ao Terceiro Milênio e continuamos a acreditar naquele projeto moderno ocidental, de que alcançaremos a paz social, através de uma possível disposição humana a se adequar as mudanças sociais. Alguns apostam na centralidade do Estado, outros no Mercado, outros ainda na autogestão da comunidade, mas todos acreditam que, de uma forma ou de outra, os elos sociais podem concretizar a fraternidade humana.
Acredito que seja preciso pensar em uma ética para além do social. Uma ética que transcenda os múltiplos, complexos e confusos valores humanos, e passe para um plano maior. Uma ética que leve em consideração elementos não - humanos, como a natureza e a espiritualidade, descentralizando o homem da sua condição de centro do mundo. Os antigos tiveram razão: a impermanência do ser humano sempre levará à instabilidade dos laços que ele constrói. Ou ao contrário do que pensava Protágoras: o homem (e suas realizações) não é a medida satisfatória para todas as coisas.