Na 1ª quinzena de março participei de um retiro espiritual no meio do mato. Foram dias vivendo uma vida ancestral e se dedicando ao autoconhecimento. A rotina era, basicamente, acordar antes do sol nascer, subir um morro para rezar, ter aulas sobre espiritualidade, fazer exercícios físicos, contribuir à comunidade (pintar, cortar lenha, etc) e realizar trabalhos emocionais/terapêuticos.
No meio disso tudo, zero contato com celular e zero açúcar, glúten, laticínios e café. Tomar banho de balde, dormir em barraca e se alimentar 3x ao dia. Para quem é acostumado a fazer o contrário disso tudo no dia a dia, pareciam restrições complicadíssimas de lidar. Mas a verdade é que, vivendo de maneira saudável, esses estimulantes da modernidade perderam todo o sentido.
Trocando as drogas por uma aldeia
Nos primeiros dias, perder o conforto e as droguinhas do cotidiano não foi realmente muito tranquilo. Um sono tremendo, fome e nenhum mecanismo de compensação da instabilidade emocional de estar sem contato com pessoas próximas. Mas lá pelo 3º, 4º dia, o corpo se acostumou com a nova rotina e passou a ver o valor de todas essas restrições.
Por estar em uma comunidade, rodeado de natureza e vivendo um estilo de vida simples e dedicado à espiritualidade, ficou muito evidente que essas coisas da cidade simplesmente não faziam falta. Nesse contexto próximo da vida ancestral, o cotidiano tinha muito mais harmonia, sem muitos vazios para compensar com comidas, bebidas e telas.
Foi surpreendente para mim, por exemplo, não sentir tédio por ficar sem música, sem livros, sem vídeos do Youtube. Acontece que eu não estava sozinho em meu apartamento, rodeado de concreto, mas sim rodeado de pessoas, de natureza e aprendendo coisas novas todos os dias. No tempo livre, conversava, estudada ou simplesmente apreciava a beleza ao redor. Não precisava me distrair: tudo que estava ao meu alcance físico me absorvia e me ocupava.
Nessa vida a céu aberto, rodado de natureza e em um contexto de crescimento mútuo, percebi que não há riqueza maior que essa. O que há de mais valor que comer de forma saudável, cuidar do corpo, da mente e viver em uma comunidade onde as pessoas confiam umas nas outras? O que eu poderia ter ou comprar melhor que isso?
É verdade que, se eu tivesse opção, sem dúvidas que um dia ou outro eu mandaria ver numa pizza e tomaria banho quente de chuveiro. Mas entre as facilidades da cidade e a simplicidade da aldeia, fico com a 2ª opção. Não é questão de abominar confortos ou praticidade, mas de questionar o limite dessas coisas todas que parecem tão apetitosas.
De volta à cidade
Após essa experiência de 15 dias, percebi como esses aditivos só fazem sentido por estarmos cansados, isolados e, consequentemente, pirados. A sociedade industrial nos deu muitos prazeres, elevou a expectativa de vida, aproximou pessoas distantes, mas a qualidade de nossas experiência aqui na Terra, provavelmente, só piorou.
Discutimos saúde mental em corpos que passam horas do dia sentados, defronte a telas, comendo farinha branca, sem sol, trancafiados entre paredes. É toxina colocada para dentro o tempo todo na comida, na bebida, no ar, nas redes sociais. Difícil ter resultados diferentes de ansiedade, depressão, crises existenciais, doenças psicossomáticas e todos esses males da modernidade.
Agora, de volta na grande cidade de são Salvador, haja doces, laticínios, cafeína e tela para dar conta de trabalhar, cuidar do filho e gerir os suprimentos dentro desse paralelepípedo chamado apartamento. Nem cogito viver sem essas coisas na metrópole. Largar tudo isso com um estilo de vida equilibrado é relativamente tranquilo, mas em meio ao caos, é tipo um amputado ter que caminhar sem muletas.
Não tenho a pretensão de incorporar o estilo de vida ancestral na babilônia, mas pelo menos tenho agora mais condições de distinguir entre distração e contemplação, entre veneno e comida. E sei que cada pequeno ato conta para uma vida mais harmoniosa. Tirar as notificações do celular, ter sempre frutas na cozinha, movimentar o corpo, ter pessoas de confiança para trocar, tudo isso reduz danos, ajuda a resistir.
Por mais que as demandas do cotidiano limitem nossas escolhas, algum nível de escolha nós ainda temos. Dentro das possibilidades, escolho voltar à minha origem, à origem humana, esse bicho de terra e de comunidade. Exilado em concreto, carrego a vida ancestral em meu coração, faço pequenos gestos de conexão e oro por novas oportunidades de me desintoxicar.
Fonte da imagem: RÜŞTÜ BOZKUŞ por Pixabay
"O mal estar na civilização", como diria Freud.
O bom do seu texto foram os últimos parágrafos,pois todos esperavam um final lírico,saudoso dos momentos de paz,e vc reconheceu que vivendo numa metrópole,se haje como viver numa metrópole!