Qual é a importância da renda básica para a vida das pessoas?
- Equipe Soteroprosa
- 26 de jun. de 2020
- 4 min de leitura

O auxílio emergencial foi implementado como uma necessidade frente às consequências que a pandemia causou. O isolamento social, como uma das medidas de enfrentamento da Covid-19, despertou muitas indagações sobre a sua necessidade a partir do momento em que a economia começou a ser afetada, agravando uma situação já complicada: as empresas amargando prejuízos e o nível de desemprego em ascensão. O efeito da ação conjunta do isolamento social e do auxílio emergencial gerou um debate sobre a importância da criação de uma renda básica que divide opiniões no cenário nacional: de um lado, melhoraria as condições de vida das famílias mais pobres, de outro, traria prejuízos aos cofres públicos.
Essa polaridade sustenta-se numa lógica perversa, pois se a renda básica gera benefícios para as famílias mais pobres, não haveria motivos para se opor a ela. Mas no Brasil, qualquer tipo de medida que vise melhorar as condições de vida das classes mais baixas está sempre acompanhada de críticas que se revestem de uma aparente cientificidade que não resistem ao escrutínio.
A diferença entre o auxílio emergencial e a renda básica consiste em que o auxílio tem um caráter transitório, mas na medida em que vai sendo estendido no tempo desenvolve uma forte tendência para que se torne uma renda básica universal, isto é, um valor disponibilizado pelo Estado, por meio da transferência de renda, para a população ou para uma parte dela. Neste aspecto o Estado estaria exercendo, assim como no auxílio, uma das suas funções na economia, a de distribuidor de renda.[i]
Para além de um sentido moral – em que se reconhece o indivíduo como sujeito de direitos, o que por si só já seria justificável –, a renda básica universal possui um papel importante para a dinâmica econômica. Visto que a economia funciona, sobretudo, por meio do consumo, o fornecimento de uma renda básica para as famílias faria com que houvesse um estímulo ao ato de consumir, isto é, aumentaria a propensão marginal a consumir,[ii] gerando uma demanda que levaria a um aumento nas vendas de bens e serviços, fazendo com que, por sua vez, as empresas se ajustassem a esse estímulo, mantendo os empregos ou gerando novos e o governo aumentaria a sua base de arrecadação. Isso é possível porque o uso do benefício em uma economia interligada incide diretamente sobre o multiplicador econômico: a relação entre o crescimento do PIB e cada real gasto em uma política pública. Esse processo em um cenário de crise não desenvolve a economia como ocorreria em uma situação normal, mas mitiga os danos que foram produzidos pela crise. O auxílio emergencial exerce exatamente essa função para a economia, mas por ser emergencial tem prazo de duração.
De acordo com o que foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) no dia 25/06, o governo começará a pagar a 3ª parcela do benefício no valor de R$ 600,00. O auxílio emergencial foi projetado inicialmente para 3 meses, mas como a pandemia da Covid-19 não arrefeceu e o isolamento social se faz necessário, cogita-se estender o pagamento por mais três meses, com alterações no seu valor: R$ 500,00, R$ 400,00 e R$ 300,00 respectivamente, segundo o presidente da República Jair Bolsonaro, perfazendo uma quantia de R$ 1.200,00.
Segundo a economista Débora Freire, o auxílio emergencial, no valor de R$ 600,00, deveria ser estendido até o final do ano, período de duração do estado de calamidade pública. Dessa forma, afirma, o governo arrecadaria 45% do que foi gasto para implementar o programa de transferência de renda, graças ao efeito do multiplicador econômico.[iii] Na sua perspectiva, assim como a de tantos outros, em especial a do ex-senador Eduardo Suplicy que já vem de longa data defendendo essa ideia, o Estado brasileiro deveria criar uma renda básica universal.
Apesar de haver inúmeros estudos evidenciando a relevância da permanência do auxílio emergencial até o final do ano, assim como a criação de uma renda básica universal, o governo federal apresenta relutância quanto a esses temas, recorrendo principalmente ao argumento dos custos que esses tipos de medida gerariam. No entanto, já na pandemia, o governo reduziu de 20% para 15% a alíquota de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) incidida sobre os bancos. Apenas em relação aos quatro maiores bancos do país (Itaú, Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil e Santander) o impacto desse alívio na tributação representa aproximadamente R$ 4,1 bilhões que o governo deixará de arrecadar. Como explicar essa decisão quando em 2019 os 4 bancos tiveram um lucro de R$ 81,5 bilhões, um recorde nominal, com crescimento de 18% comparado com 2018? [iv] E mais grave, como explicar esse tipo de medida em meio à pandemia?
Outro ponto relevante concerne à reformulação do sistema tributário brasileiro, tema que está intrinsecamente vinculado aos programas de transferência de renda. Atualmente a carga tributária brasileira incide com mais intensidade sobre o consumo do que sobre a renda. É sabido que as classes mais pobres tendem a consumir quase toda a renda que recebem, e o fazem porque necessitam para comprar bens de primeira necessidade e manter as condições básicas de sobrevivência; enquanto as classes mais altas têm uma propensão marginal a poupar maior, ou seja, parte da sua renda, que é alta, pode ser direcionada para a poupança com mais facilidade do que as classes mais pobres.[v] Assim, uma reformulação no sistema tributário deveria ser feita de maneira à gradativamente alterar sua lógica atual, passando a cobrar mais sobre a renda e menos sobre o consumo. Com isso se possibilitaria que as classes com poder aquisito menor passassem a desfrutar da dignidade que hoje lhes é negada.
A criação de uma renda básica universal e o prolongamento do auxílio emergencial com valores acima daqueles que estão sendo cogitados pelo presidente da República, são medidas necessárias para, além de manter a economia funcionando mesmo com o aprofundamento da crise, garantir que grande parte da população possa ter condições socioeconômicas para viver com dignidade.
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[i] Há três funções do Estado na economia: alocativa, distributiva e estabilizadora. Na função alocativa o Estado age suprindo bens e serviços que a iniciativa privada não fornece; na função distributiva o Estado atua como distribuidor de renda, a exemplo dos programas de transferência de renda; e na função estabilizadora, cabe ao Estado, dentre outros aspectos, manter o nível de preços da economia e o nível de emprego, assegurando a estabilidade da economia.
[ii] A propensão marginal a cosumir é um conceito formulado pelo economista britânico John Maynard Keynes para designar parte da renda que é despendida em consumo.
[iii] https://www.youtube.com/watch?v=Qs5srQDJPI4
[iv] https://www.jb.com.br/economia/2020/05/1023613-em-meio-a-pandemia--governo-alivia-tributacao-sobre-lucros-de-bancos.html
[v] A propensão marginal a poupar representa a proporção da renda individual, familiar ou empresarial destinada à poupança.